#3 – Quem me dera …

Prontos para partir para mais uma aventura … Viajar é preciso!

 

Ter outra vez oito anos e saber tudo o que sei hoje, que bom seria vir para voltar a aprender. Um, dois, três, vamos começar outra vez …. A doçura da infância iluminando a existência – sorrir, abraçar, brincar, cantar, acarinhar e amar.

Criança eu preciso
lembrar-me de ti
Na vida tão escura
tens luzes na mão
O sonho, a ternura, o amor
a razão…”  

Carlos Paião em “A Razão Lyrics”

Quando olho com nostalgia para trás percebo aquele amor vivido, sentido, único e tão precioso que tive a sorte de receber e quiçá, sem perceber, não terei dado o devido valor. Fui e sou tão amada!

Viajar é preciso! – De partida para mais uma viajem

No raiar do amanhecer partíamos por terras portuguesas à descoberta de um tesouro, o Gerês. O meu marido Benjamim ou Ben, como carinhosamente o tratava, nome cujo significado “filho da felicidade ou o bem-amado” lhe assenta como uma luva, conduzia a autocaravana refletindo a sua áurea positiva num belo dia soalheiro, aos demais convivas. Contentes e felizes iam numa amena conversa. A copiloto, a minha cunhada Aurora, grande mulher, muito sociável e imaginativa, adversa a desavenças é ótima para estabelecer ambientes harmoniosos, como se pretende para uma viagem sobre rodas e num espaço tão exíguo, como o é o de uma autocaravana.

Suavemente fui lá para trás e recostei-me um pouco no sofá para achar o descanso, aquietar a inquietude à flor da pele enquanto os miúdos estavam distraídos a ver um filme na Tablet. Depois de uma noite tão agitada, bem merecia … Relaxei, como que a repousar dentro de mim, o sono começou a vir e levou-me ao sonho. Uma viagem dentro de outra viagem.

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Acordei sobressaltada, com o Papi a chamar “Acorda. Levanta-te, já é tarde, vais chegar atrasada ao passeio”. Mas o corpo pesado, sem movimento mantinha-se deitado, a cabeça coberta com a almofada não abafava a gritaria nem o despontar do dia lá em casa. Calmamente consegui balbuciar quase sem som um débil pedido “só mais um bocadinho…siiimm”, cuja intencionalidade se perdia no espaço e não chegava aos ouvidos de ninguém. Teimosamente assim fiquei uns instantes. De repente alguém me envolveu com muito carinho e me sussurrou “vais ficar sem praia, ficas sozinha na escola se perderes a camioneta”. Que nem mola saltei da cama, o Papi ria maroto, a Mami um pouco zangada de lancheira pronta, esperava por mim com o pequeno-almoço já na mesa.

Todos prontos saímos de casa, aflita pedia “Papi, acelera, acelera, por favor”. Perante a realidade e paralisada sem saber como reagir, a tristeza cravada nos meus olhos vociferava irada contra a minha mãe e contra todos.

… (sonho interrompido)

Uma travagem brusca atirou-me para o chão da autocaravana, assustei-me e gritei “Ben, o que aconteceu? Tens de ter cuidado. Aqui atrás está tudo espalhado. Tens de parar aí mais à frente, para ver se as crianças assustadas estão bem e arrumar as coisas”. Tinha sido um cão que se atravessou no caminho, mas ficou bem.

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Quem me dera voltar àquele sonho. As memórias traziam até mim este pedaço de vida de infância. Reviver aquele amor de mãe e de pai perante aqueles meus oitos anos com muito mau feitio e “pelo na venta”, num momento de grande fúria e de descontrole, perante uma situação que eu não estava isenta de culpa. Zangaram-se, ralharam, explicaram, animaram-me e com um sorriso compreensivo levaram-me até à praia ao convívio dos meus amigos e dos meus professores.

Se voltar atrás recordo as diversas birras que caprichosamente fazia, o agir por impulso, ou sem pensar e sem ter noção das consequências. Que bela visão aqueles sorrisos, aquela generosidade – criaram-me, educaram-me, amaram-me e estiveram sempre presentes na minha vida. Espero ter estado à altura do amor incondicional deles. Quem me dera … ainda hoje “bebo” os conselhos da minha mãe.

A sério!? Nem a propósito absorta nestes pensamentos, que na verdade são uma constante e me caracterizam, e as crianças com uma birrinha ali mesmo ao meu lado. Aborrecidos discutiam os dois, uma chorava e outro ria, sempre a mesma coisa.

Estava na hora de ter uma conversa com eles de “olho no olho”, enquanto o Ben procurava um sítio para parar e almoçarmos, e lembrar-lhes que combinámos manter a calma e pensar duas vezes antes de gritar, durante o passeio deste fim-de-semana.

Dirigi-me a eles e comecei por dizer:

– Espero que me respondam exatamente como estou a perguntar, com calma e gentileza. O que se passa?

– Um pouco alterado mas com algum receio à mistura, o meu sobrinho Samuel acusador balbucia qualquer coisa impercetível … no final só percebi, foi ela…

– A Carminho salta, muito indignada “berrava” como que a querer afirmar a sua razão e a fazer-se ouvir… Não, não,… foste tu…

Como não estava a perceber nada, pedi-lhes tranquilidade e disse-lhes: sei que estão bravos, mas não é a gritar e a barafustar que se resolvem os problemas. Para vos poder ajudar tem de me contar tudo.

Sabia que precisava de os acalmar, senão era impossível falar com eles. Lidar com zaragatas e birras não é fácil, aquilo é uma explosão de emoções. A minha mãe dizia-me muitas vezes que era importante saber lidar com a frustração própria de uma birra bem como reaver o equilíbrio da situação. Agora que sou mãe, como a percebo!

De repente, tive um flashback, a minha mãe quando eu era pequenita, sentava-nos a contar uma história, verdadeira ou não, e produzia efeito – íamos serenando devagarinho, enquanto a escutávamos, até que nos esquecíamos do sucedido e no final “olho no olho” riamo-nos dos disparates e abraçávamo-nos em jeito de pacificação. E assim fiz, contei-lhes o meu sonho acabadinho de ter. Gozaram-me, riram-se, e diziam um para o outro: ela também fez birras, sempre na risada. E resultou! resultou bem na hora. O Ben e a minha cunhada enunciaram lá da frente, chegámos malta. Vamos almoçar!

Ainda nesse dia, ao telefone com a minha mãe, como fazia todos os dias, para saber se estava tudo bem, relatei-lhe o sucedido. Com sabedoria afirmou que a birra, desde que com conta, peso e medida, faz parte do desenvolvimento infantil. Na verdade, dizia-me ela, pensa bem, na maioria das vezes nós adultos pensamos que elas nos estão a desafiar, mas estão apenas a crescer e a desenvolver a sua autonomia, a fazer as suas escolhas. Compete-nos a nós pais munir-nos de toda a paciência e compreensão do mundo e com muito amor acolher a montanha russa de sentimentos que as crianças disparam durante as suas birras.

 

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