Anabela Sobrinho é uma mulher persistente, imaginativa e talentosa! Sabe utilizar as suas aptidões inatas para se exprimir pela arte, desde a pintura, passando pela fotografia e tecelagem até à escrita. É a pintura que mais a encanta, de forma muito criativa, transforma e distorce a realidade adaptando-a à sua fértil imaginação. Rege-se por valores éticos e espirituais em harmonia com tudo o que a rodeia. É a luz e as cores que, desde criança, mais a fascinam e formam uma linha condutora em todas as suas obras.
“Há um fluir entre a pintura, a tecelagem, a fotografia e a escrita. As cores estão sempre ali, as mesmas, aquelas que me tocam”
Anabela Sobrinho, fale-nos um pouco de si, do seu percurso de vida, do que a leva a sair de Lisboa e a correr o mundo.
Sou lisboeta de 1952, de pais e antepassados transmontanos. Terminei o Bacharelato em Filologia Germânica na Universidade de Lisboa em 1974 e dei aulas de Português, Inglês e 1 ano de Alemão, durante 10 anos, no Ensino Preparatório e Secundário. Entretanto, já casada e mãe de 3 filhos, eu e o meu ex-marido, que também é artista plástico, não conseguíamos juntar dinheiro suficiente para a compra duma casa. Daí resolvemo-nos candidatar para vir para a Austrália e, um ano depois, em 1985, fomos chamados em Agosto, para partirmos em Outubro. Uma verdadeira maratona!!!
Pinta, escreve, fotografa e cria artigos têxteis, qual destas paixões mais a realiza?
A pintura é o que mais me encanta; fico ali de pé, em frente do cavalete, durante horas, o resto do mundo à minha volta parece dissolver-se.
Os têxteis vêm a seguir. É preciso muita concentração para tecer. Há um fluir entre a pintura, a tecelagem, a fotografia e a escrita. As cores estão sempre ali, as mesmas, aquelas que me tocam.
Anabela Sobrinho, sente que o facto de ter vivido a sua infância em Lisboa se reflete na riqueza das cores e na luz que vemos em muitas das suas obras?
Absolutamente! Lembro-me de, em pequenina, achar que os prédios deviam ser limpos, raspados da poluição, para deixar transparecer as tonalidades lindas escondidas por baixo.
As paredes coloridas, os azulejos narrativos, e, claro, aquela luz maravilhosa que só quem conhece Lisboa entende do que estamos aqui a falar, foram sempre um motivo de admiração. Bem miúda, queria ser professora, para usar giz de cores no quadro, então de ardósia.
Que outras influências e inspirações se refletem nas suas obras?
Sou profundamente ligada à Natureza, rezo, medito e visualizo imagens lindas de cor e forma, que transfiro para o caderno de desenho e, daí, para a tela ou outro suporte. Há sempre uma dose de imaginação para interpretar as visões, porque muitas vezes não são claras.
Embora seja católica por nascimento, baptizado e preces, também sigo o Budismo Tibetano desde 2010 e admiro as suas manifestações artísticas do século X em diante.
Quais os artistas da atualidade ou do passado que mais admira?
Da atualidade, Graça Morais, Gil Teixeira Lopes e parentes, Maria Teresa Crawford Cabral, Noronha da Costa, Olafur Eliasson, Jonas Burgert, Anselm Kiefer, John Olsen e John Wolseley. Do passado, José Malhoa, Columbano e Rafael Bordalo Pinheiro, Sarah Afonso, Vieira da Silva, Edgar Degas, Edvard Munch, Egon Schiele, Emil Nolde, Georgia O’Keefe, Hundertwasser, Hilma af Klint, Johannes Vermeer, Odilon Redon, Wassily Kandinski….
Tem participado em exposições individuais e coletivas. Há alguma que considere ter sido particularmente especial? Tem previsto participar em alguma exposição para breve? Já expôs em Portugal?
O meu pico até esta data aconteceu em 2017, com uma Residência Artística de 3 meses e exposição coletiva na Galerie 102-studio-projektraum berlin, em Berlim; outra Residência de 2 semanas na Fundação Bienal de Arte de Cerveira e exposição coletiva e uma individual no Museu Municipal Armindo Teixeira Lopes, em Mirandela.
Faço uma média de 8 exposições por ano. Neste momento tenho 2 exposições a decorrer, ambas colectivas, uma num Café na cidade onde vivo, Frankston, e a outra na Oak Hill Gallery, em Mornington, não longe daqui. Estou a planear mais exposições até Maio.
Vive apenas da arte ou desenvolve outra atividade profissional em paralelo? Quais foram os desafios que enfrentou e qual a sua visão do mercado de arte contemporânea?
Estou reformada do ensino. Dedico todo o tempo à arte.
As minhas narrativas pictóricas, não são compreensíveis de imediato, o que é um problema. Mas não é por isso que vou começar a pintar paisagens hiperrealistas! Devo acrescentar que admiro quem o faz, mas não tem nada a ver comigo.
Sou sonhadora, imaginativa, tenho absoluta necessidade de transformar, distorcer, dar um toque de cor onde, na verdade, ela não existe.
A minha visão do mercado atual é que está em transição.
A arte abstrata está a decair e o bom domínio do desenho encontra-se em ascendência, o que me satisfaz imensamente.
Outro aspeto, este bastante infeliz, são os cortes nos orçamentos que os Ministérios estão a colocar para o desenvolvimento das artes plásticas ou artes, num todo. O Departamento Australiano da Comunicação e das Artes passa a ser o Departamento da Infrastrutura, Transporte, Desenvolvimento Regional e Comunicações….
Quais são as habilidades fundamentais para o artista na cena atual?
Atualmente, o artista tem de fazer tudo, trabalhar no atelier e promover-se, tomar a liderança administrativa.
Claro que existem montes de galerias que abordam os artistas e lhes oferecem representação. São as tais “galerias de vaidade”. Aqueles que nadam em dinheiro, são quem agarra a corda, porque as galerias pedem milhares, apenas para manterem a presença do artista online durante um ano.
Ou, não estão nessa de representações, mas alugam os espaços a preços exorbitantes e depois ainda se cobram de comissões altíssimas, sem qualquer garantia de vendas. O artista fica sempre na pior situação. Há que saber funcionar com as redes sociais!
Anabela Sobrinho, em termos de escrita, sabemos que os seus temas refletem o seu respeito pelo ambiente e sua profunda espiritualidade. Fale-nos um pouco sobre o que mais gosta de escrever.
Poesia, sem dúvida, verso livre, não me saem rimas. No fundo, é o que está de acordo com a minha maneira de ser.
Tem livros publicados ou está nos seus planos vir a publicar algum?
Publiquei 2 livros; um aqui, bilingue “Gazing at Life”, em 1989 e outro em Esposende, “Cávado cava cov…inha” em 2013. Este reflecte a minha afeição pela vila de Fão, perto de Esposende, onde vivi 4 anos. São auto-publicações. O último foi aceite por uma boa editora portuense, mas afinal o diretor era desonesto e eu rescindi do contrato. Com o manuscrito pronto, resolvi deitar mãos à obra e fazer eu tudo, desde a paginação, à promoção, vendas e distribuição.
Nunca desisto. As costelas transmontanas dão-me persistência!
Em termos da sua atividade em torno da fotografia, diga-nos o que mais gosta de registar em imagem?
Fotografo flores, o mar, a natureza, arquitectura, ou objetos que, depois, manipulo no computador com imenso prazer!
Anabela Sobrinho, também cria produtos têxteis. Qual a técnica que utiliza e qual a inspiração para a criação destes produtos? Como consegue realizar tantas obras?
Os têxteis estiveram sempre presentes na minha vida desde a infância, com as rendas e tricots da minha mãe e tias. Agora é a vez da minha sobrinha e a minha irmã também tece.
Tenho uma urgência tátil quando chego ao pé de tecidos!
Uso teares de alavancas e de pedais, sendo estes últimos os meus favoritos, uma vez que me sinto a dançar! Braços e pernas, tudo a bulir!
Sigo padrões antigos ou mais recentes, conforme vejo o que melhor se coaduna com a peça que planeei. Já fiz uma coberta com mais de 2 m, mas, geralmente, faço peças de vestuário relativamente pequenas. Nunca sigo as cores indicadas, e vario o padrão quando sinto que o devo fazer. Uso tudo o que me vem à mão para inserir na trama, enquanto teço, ou após a peça sair do tear.
A inspiração vem muitas vezes da Natureza, rochas, estações do ano.
Sempre fui organizada e, depois de ter iniciado o Departamento de Língua Portuguesa na ADF (Australian Defence Force) School of Languages aqui em Melbourne, apurei a minha capacidade administrativa.
Faço Yoga, cozinho 3 refeições diárias por questões de saúde, sei quais são as minhas limitações em termos de resistência mental e física, e consigo fazer um montão de tarefas no dia-a-dia, avançando assim na vida.
Quais os seus projetos futuros?
Bem, muitos, nunca paro de sonhar. E nunca revelo nada antes do evento estar a acontecer. É uma concentração cósmica de forças para que o projeto se efetue. É uma auto-proteção, se assim lhe podemos chamar.
Anabela Sobrinho, é uma mulher de coragem e empreendedora, que mensagem quer deixar em especial às mulheres que, tendo talentos, sentem receio de se expor?
Um dos meus melhores professores aqui do Chisholm Institute, onde fiz 3 anos de Artes Visuais, disse-nos no começo do ano letivo: “Vocês têm de expor desde o princípio!” Eu fiquei inquieta, mas agradeço-lhe ter sido tão direto. Não há alturas perfeitas, a arte acompanha o criador pela vida fora e deve ser vista como um progresso.
Habituamo-nos à rejeição, os primeiros 5 anos são o mais difícil. O importante é NUNCA DESISTIR.
Reconheço que nem toda a gente tem estaleca para aguentar “as pancadas”, mas, em tempos de guerra, foram sempre as mulheres quem mostrou mais resistência e adaptabilidade.
Se uma mulher dá à luz, na frente de tanta gente que não conhece de lado nenhum, não deve ter receio de expor o seu íntimo, aquilo que a sensibiliza a ponto de o metamorfosear em arte. O mesmo se aplica a uma mulher que ainda nunca foi mãe, porque as consultas de ginecologia lá terão de ser feitas. Sou prática!
Brevemente publicaremos um Poema de Anabela Sobrinho
2 comentários em “À conversa com Anabela Sobrinho, uma artista multifacetada”