À conversa com Joana Vieira deparamo-nos com uma mulher de uma sensibilidade muito própria, convicta do seus ideais na luta por um mundo melhor. Uma mulher que mete mãos à obra e cria o projeto “Wholly”, como uma forma de partilha conhecimento sobre a alimentação vegetariana. Conheça o segredo de Joana Vieira para uma transição conscienciosa e informada para uma dieta vegetariana em equilíbrio por tudo o que nos rodeia.
“A Joana é uma sonhadora que tenta lutar pelo que acredita, que é um futuro sustentável, no seu sentido pleno”
Quem é a Joana, como se vê e como foi o seu percurso pessoal?
O meu percurso pessoal e académico foi-se moldando nesse sentido. Curiosa por natureza, tentei sempre ir de encontro a mais informação, a mais conhecimento, de forma a tentar solucionar os problemas que fui percebendo que tínhamos como sociedade.
A sua preocupação por um bem comum em harmonia com a natureza é muito grande. Esta preocupação é fruto da educação que recebeu desde pequena?
Sim e não. Cresci na cidade, mas desde sempre que tive ligação ao campo, à natureza, aos animais e isso ajudou que eu tivesse uma boa base, que tivesse uma maior abertura para olhar à minha volta e questionar-me sobre as coisas. E eu penso que foi isso que determinou o meu caminho, a minha curiosidade e sentido crítico, porque não partilho das mesmas opiniões da minha família relativamente a muitas questões, não temos hábitos semelhantes, não temos as mesmas convicções. Em alguns casos, sim, mas não com a mesma intensidade, o que me leva a agir para harmonizar as minhas acções e aquilo que defendo.
Penso que a nossa educação tem algum peso, mas não é determinante. Todos nós podemos sair dos ciclos culturais e tradicionais, quebrar essas correntes e traçar o nosso próprio caminho. A vida é longa e seria redutor assumir que a educação talha um indivíduo. Estamos (ou deveríamos estar) em constante mudança e aprendizagem, a vida é uma fonte de estímulos e ensinamentos.
No seu ponto de vista qual a importância da educação das crianças para uma vida comprometida com tudo o que nos rodeia?
É muito importante ensinar e guiar as crianças para serem sensíveis a questões ambientais e sociais. Incluo sociais, porque está tudo interligado e não se pode falar apenas de ambiente no que diz respeito à sustentabilidade. As nossas acções e estilos de vida têm impacto no ambiente e problemas ambientais têm impacto na vida de pessoas, de comunidades, da humanidade.
Se desde cedo for incutido o respeito, sensibilidade e interesse pela natureza, pelo que nos rodeia, temos meio caminho percorrido na nossa jornada, na nossa evolução como indivíduos.
Atrevo-me a dizer que, não só poupamos anos de má conduta (que têm um impacto tremendo no ambiente e no bem-estar humano), como poupamo-nos à frustração e auto-recriminação depois de começarmos a ter a noção destas questões.
É muito comum as pessoas passarem por períodos de ansiedade, stress e frustração depois de termos esse click. Existe até uma expressão para designar a ansiedade relativa ao ambiente, proposta pela Climate Psychology Alliance, designada “ansiedade ecológica”.
Como e quando surge esta ideia para criar o projeto “wholly” Joana? Qual o seu significado?
O projecto começou como forma de partilha da minha alimentação para desmistificar a alimentação vegetariana estrita. Existe muita desinformação no que diz respeito à dieta e à saúde, e eu queria mostrar que é possível e fácil termos uma alimentação vegetariana equilibrada e saudável.
O segredo, outra vez, é a informação, o conhecimento.
Tendo em conta o que comemos, sabendo como fazer essa dieta ou fazer uma transição conscienciosa e informada para essa dieta.
Wholly significa inteiramente, integralmente. É referente à minha dieta, pois como maioritariamente ingredientes integrais e naturais, mas também referente a mim, pois o projecto é uma forma de partilha da minha dieta, (e posteriormente) do meu estilo de vida (vegan e amigo do ambiente), daquilo em que acredito e defendo.
O facto de ser mulher com uma sensibilidade muito própria, foi determinante para seguir um caminho de busca e de desenvolvimento da sua condição humana em harmonia com a natureza?
Sou uma pessoa muito sensível, mas, na verdade, nunca pensei nisso, que ser mulher poderia influenciar a maneira que sou ou como penso. Talvez, já que há quem defenda que vários conflitos e problemas seriam evitados se mais mulheres estivessem em posições de poder, pois somos, por norma, mais focadas no bem familiar e de grupo. Porém, creio que isso também pode ser uma tendência cultural, que as mulheres e os homens têm condicionantes sociais que os fazem pensar e agir de determinada forma. Existem muitos activistas homens.
Creio que o caminho de cada indivíduo não depende do seu género, mas sim da sua abertura para novas ideias, pelo seu espírito crítico, pela sua curiosidade. Mesmo que determinadas ideias não tenham sido criadas, implementadas, desenvolvidas em criança, essas características no indivíduo vão determinar a sua evolução, o seu caminho. Ninguém nasce ensinado, mas não podemos fechar as portas a novas ideias.
Gostaria de acrescentar que a questão do género é muito complexa, não existem apenas dois géneros. De qualquer forma, existe um estudo (apresentado no documentário “No more boys and girls: Can our kids go gender free” da BBC) que demonstra que o cérebro masculino e feminino não têm diferenças. O que vai moldar as características ditas femininas ou masculinas do cérebro são os estímulos apresentados aos indivíduos desde a nascença.
Conforme a sua citação: “Ninguém consegue fazer tudo, mas toda a gente consegue fazer alguma coisa.” Max Lucado – Pode dar alguns conselhos aos nossos leitores para que cada um possa fazer alguma coisa para um estilo de vida mais saudável e amigo do ambiente.
Posso enumerar 4 conselhos-base que todos podemos seguir:
1. Informarmo-nos.
Informação é poder. Poder não se reflecte apenas em ganhos materiais. Informação sobre questões ambientais e sociais traz-nos conhecimento que pode ser essencial na percepção destas questões (e de outras relacionadas) que influenciam o nosso bem-estar e o bem-estar das outras pessoas, a nossa saúde e o nosso futuro como espécie. To understand the bigger picture. Vejam documentários, leiam livros, consultem relatórios oficiais (FAO, WWF, WHO, etc.), assistam a TED Talks de especialistas.
2. Focarmo-nos no que nós podemos fazer individualmente.
Há dias dei uma palestra para o Mestrado de Ecologia e Gestão Ambiental da FCUL e uma das intervenções que tive foi relativamente à capacidade das pessoas com mais necessidades económicas não poderem adoptar certas medidas para um estilo de vida mais amigo do ambiente. Em questão estava a fast fashion, mas aplica-se a qualquer outra vertente. Preocuparmo-nos com o que os outros podem ou não fazer, vai-nos distrair do nosso objectivo, pode desmotivar-nos e fazer-nos pensar que vai ser um esforço inglório. É um erro comum pensarmos que o nosso esforço individual não vai ter impacto positivo. Porém, tem. Basta pensarmos no exemplo das palhinhas. Podemos assumir que “é só uma palhinha” e não vai fazer diferença, mas, se usarmos todos os dias, ao fim de um ano são 365 palhinhas. Multiplicando por outras centenas ou milhares de pessoas, o número é demasiado grande. A sua não utilização também o é, também são milhares de palhinhas que não foram usadas, que não estão a contaminar ecossistemas, que não estão a matar outros animais.
3. Dar pequenos passos de cada vez.
Mudança de hábitos não acontecem do dia para a noite, levam o seu tempo. Existe uma teoria de que o ser humano precisa de, pelo menos, 21 dias para mudar um hábito. Podemos estabelecer metas mensais, por exemplo. Pequenas medidas que podemos tomar como, por exemplo, não usar sacos de plásticos, não comprar determinados produtos embalados, não usar produtos descartáveis de utilização única, comprar alternativas amigas do ambiente à medida que os nossos produtos vão acabando (para não ser tudo de uma vez), etc.
Tentar mudar tudo de uma vez pode ser demasiado e levarmo-nos a sentir ansiedade desnecessária. É contraproducente. As mudanças devem ser feitas com calma, dando-nos tempo de adaptação para que nos sintamos bem com elas, para que nos façam sentido.
4. Evitar produtos embalados e descartáveis.
De notar que, as medidas que podemos tomar dependem do contexto sócio-económico de cada indivíduo. Nem toda a gente tem acesso a produtos a granel (perto de casa, perto do trabalho), ou a possibilidade financeira de optar por alguns desses produtos, pois alguns deles são mais caros. O que eu posso fazer, o que eu posso evitar ou mudar, vai ser diferente do que outra pessoa pode fazer, evitar ou mudar. E vice-versa. E isso é legítimo e não temos de nos sentir mal com isso. Analisamos a nossa situação, vemos onde podemos mudar, fazemos o que podemos, o que conseguimos e vamos tentando evoluir e encontrar soluções para as coisas que ainda não conseguimos fazer. Se generalizarmos as medidas, vamos criar expectativas irrealistas e inatingíveis para nós.
Para si, que dá primazia à comunidade, em detrimento do individualismo, a partilha de conhecimento é fundamental. Fale-nos um pouco sobre os eventos que organiza, a quem se dirigem e quais os principais objetivos.
Ora bem, o meu projecto foca-se muito na sensibilização ambiental e realizo palestras e workshops que se destinam a explicar a urgência da necessidade de mudarmos o nosso estilo de vida, explicar como é que as questões ambientais e sociais se interligam e não podem ser vistas isoladamente, e explicar como é que podemos fazer essa transição. Em alguns desses workshops partilho receitas e demonstro como se fazem produtos do dia-a-dia (limpeza da casa, higiene pessoal e cosmética) que sejam naturais, não tóxicos, sem óleo de palma e amigos do ambiente.
Faço consultoria e mentoria individuais ou com grupos pequenos para ajudar as pessoas de forma mais directa, de acordo com o seu contexto sócio-económico.
Os meus eventos e serviços são para todas as pessoas. Sejam pessoas curiosas, sem conhecimento na área; pessoas que já começaram a estar sensibilizadas para as questões ambientais, mas ainda não começaram a sua transição para um estilo de vida mais amigo do ambiente; pessoas que ficam ansiosos com a quantidade de informação que existe por aí e não sabem como transformar e ajustar essa informação em medidas práticas de acordo com o seu contexto sócio-económico; pessoas que tenham começado a sua transição, mas têm encontrado dificuldades ou obstáculos em algumas vertentes; pessoas que estão interessadas em aprofundar os seus conhecimentos relativamente a questões ambientais e a relação entre o nosso estilo de vida e alguns problemas ambientais e sociais actuais; pessoas que acham que adoptar um estilo de vida amigo do ambiente é mais caro.
Este espaço é seu para falar sobre o que entender melhor e/ou deixar alguma mensagem específica a quem nos lê e procura alcançar um estilo de vida mais sustentável?
Vivemos na era da informação. Tudo o que acontece é rapidamente disseminado pela internet. Cada vez existem mais estudos, mais relatórios de entidades importantes e fidedignas. Só precisamos de querer pesquisa, de querer saber mais.
E vivemos numa altura em que cada vez mais vemos a urgência de mudarmos o nosso estilo de vida, para que todos juntos consigamos alcançar um futuro sustentável. Por mim, por vocês, pelos nossos filhos e os filhos deles, pelas pessoas do outro lado do mundo. Porque todas as nossas escolhas e acções têm poder tremendo e têm repercussões. Elas podem ser positivas ou negativas. A escolha é nossa. Está nas nossas mãos.
Estamos num ponto de viragem. A maneira como agimos daqui para a frente vai decidir o nosso futuro.
Nunca é tarde para dar o primeiro passo! Não deixem que os vossos hábitos e comportamentos até agora definam quem vocês são ou quem irão ser. Agarrem-se a isso, usem como estímulo para a vossa mudança e não como bloqueio ou impedimento.
E eu acredito. Eu acredito que vamos conseguir mudar o mundo.
Eu acredito num futuro melhor, mais saudável, mais sustentável, para todos nós, para os outros animais e para o planeta.
Inspire-se na experiência de Joana Vieira e siga as suas dicas para uma vida mais feliz.
Assista aqui ao Vídeo de Joana Vieira.
Página do facebook: Wholly Joana