À conversa com a equipa do projeto “Tinta nos Nervos”

Nesta conversa com Pedro Vieira de Moura, ficámos a conhecer o projeto Tinta nos Nervos.

“muito mais que uma simples livraria, é um espaço de convívio, de debate, reflexão e formação e porto de abrigo para a leitura, que nasceu da vontade de um coletivo.”

É um projeto notável, que nos inspira para um crescimento constante no que são as preocupações com uma sociedade culta e, consequentemente, mais comprometida com o que nos rodeia.

 

……………………………………………………..Entre e desfrute do que o espaço Tinta nos Nervos tem para lhe oferecer
O projeto nasceu de vontades coletivas. Como surgiu e se concretizou este sonho? Pode contar-nos um pouco desse “nascer”, desse espaço que é mais que uma livraria?

A Tinta nos Nervos nasceu da vontade de um colectivo em abrir um espaço exclusivamente dedicado às artes do desenho e às do livro. Sendo pessoas com formações, percursos, interesses e capacidades bem distintas, e instigados e apresentados uns aos outros por alguns membros que estavam no centro de tempestade, digamos assim, encontrou-se um ponto óptimo de equilíbrio e complementaridade.

Com efeito, se a ideia de livraria terá sido a semente inicial, desde o início que a noção era a de que o espaço teria de ser multifacetado e polivalente, e daí surgiu a ideia de sermos uma galeria, um espaço de convívio, debate e reflexão e formação, assim como porto de abrigo para a leitura.

Além disso, sempre contámos com óptimos amigos e profissionais que nos apoiaram em todas as fases do projecto, e ainda contamos com eles. Por exemplo, o desenho do espaço pelo atelier de arquitectura CAL30 foi fundamental e não houve pormenor que não tivesse sido pensado com os objectivos à frente, para optimizar todos os recantos. A imagem gráfica, criada pelos Playground, é também peça fulcral na nossa “face pública”, e estratégias comunicacionais, tal como o símbolo, criado pelo André Ruivo, amigo íntimo deste projecto.

Quanto às formas de arte que são o nosso foco, o centro nevrálgico é o desenho, mas a partir daí procuraremos estendê-lo não apenas como disciplina artística autónoma, mas abrindo espaço às artes gráficas, do livro, o Surrealismo Pop, a banda desenhada em todos os seus azimutes, o cinema de animação, e a ilustração em todas as suas vertentes.  Não há nada de estranho nisto, claro, já que muitas das origens, circulações, lugares de publicação, e agentes são coincidentes ou navegam em todos estes campos ou dialogam entre si. A Tinta nos Nervos quer apenas tornar clara essa circulação.

 

Quais as circunstâncias que vos fizeram sentir que estava na hora de agir para criar esse espaço multifuncional?

Com efeito, sentimos que estamos a agir em contra-ciclo, de um ponto de vista. O mercado livreiro e das livrarias em Portugal tem atravessado sacudidelas significativas nos últimos anos, o que não parece ser convidativo a este negócio. Mas por outro lado, tem havido toda uma série de projectos de livrarias especializadas, como a Baobá, It’s a Book, Tigre de Papel, para apenas citarmos algumas em Lisboa, que têm demonstrado que se pode pensar nestes espaços de comércio e convívio de uma forma bem distinta da da dita “lógica de mercado”, através de relações especiais com várias comunidades artísticas e criativas, a população local, escolhas judiciosas dos seus campos e materiais, numa espécie de recuperação do conceito de “livraria de bairro”, mas que, ao mesmo tempo, se apresenta aberta à produção global.

Mais especificamente em relação às nossas áreas de acção e interesse, também nos parece estarmos a viver num momento particularmente propício em termos de produção e interesse, em que as hierarquias mais clássicas se começam a questionar e a permitir a diálogos mais descontraídos e salutares.

…………………………………………………….Tinta nos Nervos é um espaço multifacetado e polivalente
O nome que escolheram “Tinta nos Nervos” é curioso pois fica na memória facilmente. Como aconteceu esta escolha? e a escolha da localização em Santos foi feita de acordo com algum critério?

O nome tinha sido utilizado anteriormente numa exposição que teve lugar no Museu Berardo, em 2011, dedicado à banda desenhada portuguesa contemporânea de autor, comissariada por um dos nossos membros, e por sua vez essa era uma expressão ou citação retirada de Raul Brandão. Pareceu-nos uma expressão adequada ao tipo de atitude, ambivalência e amplitude do que desejávamos, nós mesmos, desenhar, com este espaço e encontro.

Quanto à localização, não foi pensada de forma programática, mas fruto de várias circunstâncias. Dito isto, nesta zona não apenas estamos em companhia próxima de amigos – como o Homem do Saco, uma associação dedicada às artes tipográficas, sobretudo –, de escolas e plataformas de criatividade, como de uma nova “movida” nesta zona da cidade.

……………………………..Tinta nos Nervos na Rua da Esperança, em Lisboa
Desde a formação da ideia, definição de um projeto e sua concretização, naturalmente, passaram por algumas dificuldades. Quais as principais dificuldades que tiveram? Alguma vez pesaram em desistir ou as dificuldades surgem como desafios de crescimento, fortalecendo a vontade coletiva?

As dificuldades são aquelas naturais e inerentes a qualquer negócio em Portugal, em primeiro lugar (burocracia, despesas imediatas, contratempos organizacionais, etc.), mas facilmente ultrapassáveis com o trabalho, assim como aquelas advindas da experiência, em segundo lugar, que se conquistam da mesma maneira.

Há sempre fases de adaptação, conversa, discussões, um compasso de espera em torno de certos assuntos, construção, etc., mas tudo isso é decorrente de qualquer projecto, e nunca nos pareceu ser um obstáculo e muito menos motivo para pensar na desistência…

 

No conceito do projeto Tinta nos Nervos, também consta o trabalho de editora para “objetos-livros”. Pode explicar-nos em que consiste?

Não seremos propriamente uma editora. O que está em aberto é que, em todas as exposições que organizarmos, quereremos sem dúvida criar com os artistas algum objecto múltiplo que possa existir para além desse período de exposição.

 

…………………………………………………………………………..Exposição – Tinta nos Nervos

 

Neste primeiro gesto, fizemos crachás, um jornal, duas séries de múltiplos com a Ema Gaspar e José Cardoso e o livro com o Pedro Proença. No futuro, poderemos fazer uma serigrafia, ou uma água-forte, um objecto em tipografia, etc. E, claro, livros. Não há nada nem fechado em termos de planos.

 

O que queremos dizer com “objectos-livro” traduz-se de duas formas: por um lado, termos sempre uma atenção cuidada e particular para com a materialidade dos próprios livros, procurando sempre um objecto de qualidade, próximo dos desejos do autor, e que contribua para a qualidade dessas criações. Por outro, a possibilidade de explorarmos todas as potencialidades que um livro tem de se tornar algo mais, um objecto artístico em si mesmo.

Livros únicos, intervencionados, desdobrados, irmanados, quem sabe o que poderá surgir?

 

Como selecionam os temas e obras das exposições que pretendem para o vosso espaço?

Como dissemos, somos um grupo particularmente heterogéneo, mas complementar.

Discussão e diálogo, confronto e consenso, sempre na ideia de perseguir a ideia do desenho enquanto “indisciplina”.

A escolha dos livros e dos objectos é feita quer a título pessoal – cada um de nós encontra um item, que propõe ou selecciona, conforme os seus conhecimentos e/ou oportunidades – quer a título colectivo. Quanto às obras a expor, há igualmente um fortíssimo diálogo com os artistas, o que levou, no caso da primeira exposição, Fio da Navalha, à criação de trabalhos inéditos e exclusivos.

…………………………………Exposição em Tinta nos Nervos, as obras a expor são escolhidas em diálogo com os artistas
Na vertente de livraria haverá livros e autores específicos? Ou será uma livraria generalista para os diferentes públicos e idades?

Generalista, não poderá ser, uma vez que partimos de uma base especializada, como explicado anteriormente. Todavia, esperamos chegar a públicos diferentes, desde um público infanto-juvenil, que encontrará aqui livros para todas as maturidades e humores, acções e distracções, etc., até um público adulto, informado e profissional nas áreas do design, da ilustração, da banda desenhada, etc. Ou “amadores” que desejam começar a conhecer estas áreas:

estamos aptos a ajudá-lo a descobrir um livro que não sabia que queria ler!

A nossa oferta abrange muita da produção nacional mas temos uma oferta particularmente judiciosa de trabalhos internacionais, em várias línguas, procurando ter uma oferta relativamente distinta, diferenciadora, integrada num contexto cultural e artístico contemporâneo e lato. Existirão sempre, claro, autores ou obras de eleição que procuraremos ter em permanente oferta, e que procuraremos divulgar junto ao nosso público, mas estamos ciosos de aprender igualmente com o público.

 

…………………………………………………………………..Livraria, Tinta nos Nervos

 

E ainda temos objectos diferentes e divertidos, desde chocolates deliciosos ilustrados por autores francófonos a objectos estrambólicos do David Shrigley, passando por brinquedos estimulantes para o cérebro e a criatividade, tatuagens temporárias, filtros para ver o mundo de acordo com a regra de ouro, e uma escolha muito, muito grande de posters, serigrafias, impressões, gravuras e arte original que podem abrilhantar, de forma bem diferente, os espaços privados dos clientes.

 

Para quem gosta de degustar um snak num ambiente como o vosso, que sugestões têm para oferecer aos visitantes?

Temos pão da Gleba, café Flor da Selva, e vinho Vicentino, o que logo à partida deverá aguçar o apetite aos leitores e futuros visitantes. Além disso, ou para acompanhar estes produtos, temos sumos naturais, tábuas de queijos, e outros itens clássicos da cafetaria portuguesa. Acima de tudo, temos um óptimo espaço, inclusive uma esplanada resguardada, tranquila, sem música, ideal para quem quer passar um bom momento de leitura, conversa calma ou mesmo com os seus próprios pensamentos.

No bar do Tinta nos Nervos, temos pão da Gleba, café Flor da Selva, e vinho Vicentino, o que logo à partida deverá aguçar o apetite aos leitores e futuros visitantes.
Uma galeria e uma livraria com gentes das artes que convidam ao despertar intelectual. No mundo dos livros, na sua/vossa opinião o que é um bom livreiro?

Sem querer impor uma visão, ou impedir outras perspectivas, pensamos que um bom livreiro será aquele que conhece os seus livros. Não todos, nem tudo o que existe, o que não apenas é impossível como nos perguntamos mesmo se desejável. Um certo grau de especialização, paixão e até obsessão é sempre mais produtiva no diálogo com os clientes. Penso que é muito satisfatório um cliente ter uma noção do que quer e conseguir dialogar com o livreiro sobre isso, mas ao mesmo tempo aprender algo mais, desviar a atenção para algo que estava ao lado, descobrir uma informação adicional. Ou mesmo vir sem noção e ser conduzido pelo seu livreiro a uma escolha óptima do livro que queria ler ou oferecer a outra pessoa. Mas ao mesmo tempo, um bom livreiro é aquele que saberá ouvir e aprender com os seus clientes, expandido o seu próprio conhecimento e oferta.

Se estamos a falar de uma comunidade em torno dos livros, a existência de um diálogo é crucial. Kant dizia que a única comunidade possível era a estética, e de facto a amizade nutrida por elos culturais é duradoura e fértil.

 

Que dicas podem deixar para mover outros, na concretização de sonhos pessoais que são contributos para uma sociedade mais culta, equilibrada e gentil com tudo o que nos rodeia?

É com alguma temeridade que apresentaríamos “ideias”, “conselhos” ou “lições” morais, éticas ou de trabalho aos outros, mas permitam dizer que são sempre as mesmas regras equilibradas de sempre:

façam o que querem fazer com vontade e garra, tentem ser o mais honestos e respeitadores dos outros e do mundo nesse processo, e atirem-se ao projecto com tinta nos nervos!

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Tinta nos Nervos site: https://tintanosnervos.com/

Tinta nos Nervos facebook: https://www.facebook.com/TintanosNervos/

 

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