A lenda de Abrantes – Diz a história que, em tempos idos, o alcaide do castelo de Tubucci, um velho mouro chamado Abraham Zaid, tinha uma filha a que chamara Zahara e um filho Samuel, de uma prisioneira cristã. No entanto, ninguém sabia, que Samuel era filho do alcaide, nem o próprio rapaz. Abraham tendo conhecimento da paixão que crescia entre os dois jovens, vivia amargurado pois tinha de revelar o seu segredo.
Um dia, comandados por D. Afonso Henriques, que trazia consigo vários cavaleiros e monges, os cristãos cercaram o castelo. Para o aconselhar, do Mosteiro do Lorvão trouxera um velho e sábio monge beneditino e, trouxera também, um cavaleiro cheio de ideais e de força guerreira, chamado Machado. Conquistado o castelo, Samuel foi aprisionado por Machado. Na confusão da debandada dos mouros, o cavaleiro, que acabara de desarmar Samuel, viu um peão perseguindo Zahara, entregando o prisioneiro a dois vigias, correu em auxilio da moura. Este bravo cavaleiro, levou a bela Zahara ao velho monge beneditino, para que a protegesse até tudo estar calmo.
O cavaleiro Machado ficou fascinado pela beleza da moura, que se parecia com uma imagem de Nossa Senhora dos Aflitos que sua mãe lhe dera ao morrer e que ele, devotamente, trazia sempre consigo. Impressionara-o a repentina recordação de um sonho que vinha tendo frequentemente e no qual, ao escalar os muros de um castelo, se via salvando uma donzela com que se casaria.
D. Afonso Henriques, em compensação dos serviços prestados naquela batalha por D. Pedro Afonso (seu filho), deu-lhe o senhorio do castelo e nomeou-o seu alcaide-mor. Mas, Pedro Afonso, queria partir para Torres Novas com o pai e, por isso, decidiu confiar a alcaidaria no cavaleiro Machado e ordenou que o monge ficasse no castelo como guardião das almas, e que entregasse a prisioneira a Abraham.
Assim que a hoste se desvaneceu ao longe, o cavaleiro Machado, feliz por ficar como alcaide do castelo, apaixonado por Zahara, preparou-se para conquistar o seu coração. Mas Zahara, ainda adorava Samuel e para não fazer nada que comprometesse a boa paz em que viviam, pedia conselhos ao pai e ao velho monge. O frade, como confessor do cavaleiro, bem sabia o amor que este tinha pela donzela, por isto, procurava conciliar toda a gente e assegurava a Zahara a honradez e nobreza de sentimentos do jovem alcaide.
Samuel, porém, não conseguia viver em paz. Os ciúmes irrompiam nele de forma brusca sem que conseguisse controlar-se. E, na sua insegurança, tão depressa acatava as palavras conciliatórias de Abraham e do monge, como ficava possuído pelo demónio da Loucura, que o obrigava a cometer insânias.
Zahara andava perturbada com as reações de Samuel. Um dia perguntou ao pai como deveria proceder se o cavaleiro viesse procurá-la e ele não estivesse em casa: deveria manter a porta fechada como se não estivesse ninguém, ou recebê-lo-ia? O pai respondeu-lhe:
– Nada temo nem receio da tua virtude, minha filha. E confio também na honradez do alcaide. Abre antes a porta!
Samuel, que estava escondido, ouviu Zahara e a resposta do pai, furioso perdeu o domínio de si e correu para a rua, gritando como louco:
– Abre antes! Abre antes!
Toda a vizinhança acorreu, uns aos postigos, outros às vielas, a saber o que aquilo era.
Reza a história que em virtude disto, Tubucci passou a ser chamada de Abrantes. – Assim é a lenda de Abrantes!
Abraham, andava angustiado com toda esta situação. Um dia juntou Samuel, Zahara e o monge e contou-lhes a verdade, que eram irmãos e que a mãe de Samuel fora uma bela cativa cristã que certo dia chegara a Tubucci chorando um noivo que deixara na sua terra, chamado João Gonçalves.
Rolaram lágrimas silenciosas pelas faces envelhecidas do frade beneditino. Ele fora esse João Gonçalves que, vendo a noiva desaparecer, crendo-a perdida para sempre, entrara para o Mosteiro do Lorvão. O monge tomou o rapaz a seu cargo, conseguindo pô-lo ao serviço do Rei de Portugal.
Como acontece em muitas histórias de amor, esta lenda de Abrantes termina em beleza pois, consta que o cavaleiro Machado e Zahara se casaram, depois de os mouros se terem feito cristãos, e dentro das muralhas da velha Tubucci reinou, finalmente, a harmonia.
Leia aqui o nosso artigo: Meu Deus, como isto é belo! sobre a cidade de Abrantes.
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