“Azeitonas”, nas palavras de Vítor Encarnação, levam-nos a reviver histórias de tempos de criança passados com os avós na faina da apanha da azeitona. Como é linda a história das azeitonas que nascem quando caem ao chão! No Alentejo, ou em outra qualquer parte do país, as azeitonas acompanhadas de um bom pão, são um petisco para qualquer momento de convívio, mas também o azeite, aquele líquido espesso e dourado, combina na perfeição com qualquer prato de comida tradicional.
“Abro a porta da rua e uma aragem fria entra em casa, avança pelo corredor e morre na cozinha às mãos do fogo aceso pela minha avó.”
Azeitonas
A noite ainda resiste e eu levanto-me antes dos pássaros. Abro a porta da rua e uma aragem fria entra em casa, avança pelo corredor e morre na cozinha às mãos do fogo aceso pela minha avó. O silêncio ainda dorme pendurado nas parreiras e voa, lá o fundo, nas asas de uma coruja. Enquanto como uma fatia de ovo, a claridade começa a ensaiar a sombra que as árvores hão de ter. A sombra é o único fruto possível das árvores que não dão fruto. O meu avô dobra os panos, enche uma infusa de barro com água do poço e alinha as varas em cima da carroça. Arre macho. As rodas de ferro riscam a geada e ferem os musgos. Prenhes de azeitonas, as oliveiras esperam pelos meus avós. De pé, as árvores esperam sempre de pé. Por mim não esperam, que é esta é a primeira vez que venho. Estico os panos brancos sobre os torrões e agarro um pau de varejar. Ergo-o e parece que consigo tocar o céu, mas deve ser ilusão dos meus olhos, deve ser apenas do meu contentamento.
As azeitonas precisam de vestir o caroço e a carne de negro, precisam de luto para amadurecerem. O pau de varejar corta-lhes o cordão umbilical e as azeitonas nascem quando caem no chão. Eu levanto-as numa mão cheia e tento adivinhar-lhes o destino. Mas seja de que maneira for, esse destino há de cruzar-se com o pão.
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