Poema de Florbela Espanca (1894-1930)
Ter um Pai!
Ter um Pai! É ter na vida
Uma luz por entre escolhos;
É ter dois olhos no mundo
Que vêem plos nossos olhos!
Ter um Pai! Um coração
Que apenas amor encerra,
É ver Deus, no mundo vil,
É ter os céus cá na terra!
Ter um Pai! Nunca se perde
Aquela santa afeição,
Sempre a mesma, quer o filho
Seja um santo ou um ladrão;
Talvez maior, sendo infame
O filho que é desprezado
Pelo mundo; pois um Pai
Perdoa ao mais desgraçado!
Ter um Pai! Um santo orgulho
Prò coração que lhe quer
Um orgulho que não cabe
Num coração de mulher!
Embora ele seja imenso
Vogando pelo ideal,
O coração que me deste
Ó Pai bondoso é leal!
Ter um Pai! Doce poema
Dum sonho bendito e santo
Nestas letras pequeninas,
Astros dum céu todo encanto!
Ter um Pai! Os órfãozinhos
Não conhecem este amor!
Por mo fazer conhecer,
Bendito seja o Senhor!
Poema de Pablo Neruda (1904-1973) e tradução de Rui Laje
O Pai
Terra de semente inculta e bravia,
terra onde não há esteiros ou caminhos,
sob o sol minha vida se alonga e estremece.
Pai, nada podem teus olhos doces,
como nada puderam as estrelas
que me abrasam os olhos e as faces.
Escureceu-me a vista o mal de amor
e na doce fonte do meu sonho
outra fonte tremida se reflecte.
Depois… Pergunta a Deus porque me deram
o que me deram e porque depois
conheci a solidão do céu e da terra.
Olha, minha juventude foi um puro
botão que ficou por rebentar e perde
a sua doçura de seiva e de sangue.
O sol que cai e cai eternamente
cansou-se de a beijar… E o outono.
Pai, nada podem teus olhos doces.
Escutarei de noite as tuas palavras:
… menino, meu menino…
E na noite imensa
com as feridas de ambos seguirei.