Dia Internacional dos Direitos das Crianças

(*) imagem retirada da Web.

As crianças têm Direitos

Celebra-se, hoje dia 20 de novembro de 2017 (Segunda-feira), o Dia Internacional dos Direitos das Crianças. Desde que, na década de 20 do Séc. XX, Eglantine Jebb criou a Associação Save the Children e colocou, na primeira linha das preocupações internacionais os Direitos das Crianças, muito do que se ansiava foi feito e outro muito ficou por acontecer.

O dia 20 de Novembro não foi escolhido ao acaso, sendo, antes, um dia cheio de simbolismo.

Historicamente, este dia está relacionado com a proclamação mundial da Declaração dos Direitos das Crianças (20 de novembro de 1959) – o primeiro instrumento que reunia um elenco de direitos exclusivamente dedicados às crianças, reconhecendo a especificidade das suas necessidades face às dos adultos e com a proclamação da Convenção sobre os Direitos da Criança (20 de novembro de 1989) – que constitui, até hoje, a Convenção que mais rapidamente entrou em vigor por ser a que reuniu, no mais curto espaço de tempo o número de adesões necessárias à sua entrada em vigor. É, também, a mais universal uma vez que, à exceção dos Estados Unidos da América, todos os Estados reconhecidos pelas Nações Unidas a ratificara.

Curiosidades históricas – leia e leve

A criança é um acontecimento recente na História. Pode parecer estranha a afirmação, uma vez que, inevitavelmente, sempre existiram. Porém, aos infantes não era reconhecida uma existência autónoma dos pais ou dos mestres em cuja casa aprendiam os ofícios, ou dos senhores em cujas casas serviam. Mesmo as crianças dos nobres estavam submetidas a um poder paternal até idade avançada e, numa História mais recuada, até ao momento da morte do pai.

É curioso pensar que, por exemplo, nos Estados Unidos da América e em Inglaterra, surgiram associações para defesa dos aninais antes mesmo de surgirem associações, ou instituições vocacionadas à defesa da criança, uma vez que esta era vista como pertença dos pais e o endeusamento do poder familiar não permitia interferências externas.

O que veio a marcar o início da modificação do olhar com que se viam as crianças foi o capitalismo do séc. XIX, a fuga das famílias para a cidade e a perda da estrutura de suporte familiar existente nas aldeias de onde as famílias se retiravam, com as crianças abandonadas à sua sorte enquanto ambos os pais iam trabalhar, ou trabalhando elas próprias em condições sub-humanas, frequentemente mais do que dez horas diárias, seis dias por semana. Não por acaso, o primeiro instrumento internacional vinculativo para os Estados, sobre Direitos das Crianças, foi uma Convenção da Organização Internacional do Trabalho estabelecendo limites ao trabalho infantil.

Portugal pode orgulhar-se de ter sido pioneiro no estabelecimento de leis para proteção de infância e, sobretudo, foi o primeiro país europeu a criar uma jurisdição especial para menores, isto é, tribunais para crianças diferentes das dos adultos, com a Lei da Infância, de 1911, que estabeleceu os princípios que ainda hoje se encontram consagrados na legislação nacional e na generalidade dos instrumentos internacionais sobre crianças.

Em 1924, Eglantyne Jebb redigiu a primeira carta de direitos das crianças, que ficou conhecido como A Declaração de Genebra e que, em cinco pontos, resumia os direitos que deviam ser reconhecidos às crianças.

Porém, apenas em 20 de Novembro de 1959, “Considerando que a criança, por motivo da sua falta de maturidade física e intelectual, tem necessidade de proteção e cuidados especiais, nomeadamente de proteção jurídica adequada, tanto antes como depois do nascimento” as Nações Unidas adotaram a Declaração dos Direitos da Criança, continuando a consagrar os cinco aspetos da anterior Declaração e alargando-os a dez.

Todavia, tratando-se de uma Declaração, não obrigava os Estados, antes estabelecendo uma manifestação de vontades. Era necessário mais, tornava-se imprescindível a elaboração de um instrumento a que os vários Estados se vinculassem e se obrigassem e, assim, a Polónia lançou o repto para a construção de uma Convenção para cuja redação participasse o maior número de Estados, de modo a obter o maior número de consenso.

De modo simbólico, decidiu-se que a sua aprovação fosse realizada no mesmo dia em que foi aprovada a Declaração anterior: 20 de novembro. E, assim, a 20 de novembro de 1989, foi aprovada a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.

É esta a razão para que a celebração do Dia Internacional dos Direitos das Crianças se faça nesta data.

De todas as Convenções da ONU, a Convenção sobre os Direitos da Criança foi a Convenção que mais rapidamente reuniu o número de adesões que permitisse a sua entrada em vigor e a que, no mais curto espaço de tempo reuniu o maior número de adesões. Presentemente, apenas os Estados Unidos da América não ratificaram esta Convenção. A adesão massiva não significa, infelizmente, que todos os Estados que a assinaram tenham a capacidade para cumprir ou fazer cumprir os Direitos das Crianças, tal como se obrigaram ou queriam fazê-lo. No entanto, tornou irreversível o movimento a favor do reconhecimento da dignidade das crianças e que, a par dos direitos à proteção e provisão que desde cedo lhe foram reconhecidos em virtude da sua fragilidade natural e da incapacidade de suprirem às suas necessidades, bem como aos direitos de provisão, se tenham vindo juntar os direitos de participação que as tornam partícipes do seu desenvolvimento pessoal e lhe permitem assumir o seu papel de cidadãos com voz, não apenas titulares de direitos, mas capazes de os exercer.

Libertação pela escrita – leia e leve

Em torno do tema da Criança e dos seus direitos, apresentamos aqui um artigo de opinião de Ana Paula Lourenço. Também nós nos juntamos à autora na vontade de que “… um dia tudo quanto se escreveu seja verdade”.

“A relação entre os Estados, fundada frequentemente em critérios economicistas e de estratégia política e não na ética da solidariedade, dificulta que os Estados mais desfavorecidos possam cumprir as obrigações que assumiram para com as suas crianças.

No entanto, não obstante todo o muito que há a fazer, muito se fez desde que, nos dois 20 de novembro se adotaram textos que resultaram da tenacidade, persistência, bondade e sensatez de gente boa a quem as dificuldades não demoveram, porque acreditaram que as crianças têm direitos. Que para além dos direitos que qualquer outro ser humano tem, por força da sua existência, têm direitos próprios, necessidades, próprias, mas que não as reduzem, nem a simples adultos em miniatura a quem muito se deve exigir, nem a seres desprovidos de qualquer razão a quem se deve apenas proteger, desconsiderando que são seres cuja voz deve ser ouvida, atendendo à sua capacidade e maturidade.

É a memória destas pessoas que lutaram para que aqueles e outros – muitos – textos que se lhes seguiram, pudessem ser possíveis, que convoco neste dia. Destas e das quantas, no seu dia-a-dia, contra tantas adversidades, se esforçam para que a Convenção sobre os Direitos da criança se torne uma realidade em todos os recantos do mundo.

A estas pessoas e às crianças, destinatárias primeiras de todo este esforço, a quem deve desde cedo ensinar-se que têm direitos, que têm toda a legitimidade para exigir o seu cumprimento, as instâncias a que podem dirigir-se para fazer valer esses direitos e que a sua voz é, por vezes, mais relevante que a dos adultos na resolução de muitos dos seus problemas. Só assim conseguiremos formar crianças que, no futuro, não sejam subservientes perante os poderosos, nem arrogantes perante os fracos e que tenham coragem de lutar para que os direitos de todos sejam respeitados.

Hoje, apesar de tudo, é um dia de celebração. Porque olhamos pela janela e podemos ver, nos olhares e interrogações das crianças que brincam, a flama daqueles que continuarão este trabalho para que um dia tudo quanto se escreveu seja verdade.”

Autor: Ana Paula Lourenço

(Investigadora do Centro de Investigação Ratio Legis, da Universidade Autónoma de Lisboa, tem privilegiado, na investigação e produção científica as seguintes áreas: Direito e Processo Penal, Direitos Humanos, Direitos das Crianças e Jovens e a relação da Comunicação Social com a Justiça).

 

Neste tema, a autora aconselha-nos um livro: “Psicanálise dos Contos de Fadas” de Bruno Bettelheim

Livro Psicanálise dos Contos de Fadas
Sinopse: Situando-nos de volta ao país mágico da infância e devolvendo-nos o encanto e maravilhamento dessa época, Bruno Bettelheim revela-nos nesta sua brilhante obra a inigualável importância dos contos de fadas que, para além do seu papel educativo, estimulam e libertam as emoções das crianças.
Um livro cuja leitura se torna essencial!

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