Levantar cedo é mais um texto ímpar de Vítor Encarnação. Inspire-se neste texto e levante-se cedo para apreciar o que a vida tem para nos dar e maravilhar.
Levanto-me cedo porque a manhã espera pelos meus olhos para nascer.
Com excepção dos pássaros que têm olhos grandes para perceber toda a fundura da noite, esta é a hora de todos os pássaros de chilreio miúdo.
Levantar cedo
Levanto-me cedo porque a manhã espera pelos meus olhos para nascer. E num prenúncio de claridade, ela nasce lentamente da cegueira do breu. Vencido o cinzento da madrugada, a manhã já derrama luz e restitui as cores que a noite roubou. O branco das casas é o primeiro a sair desse lugar pardo, depois o ocre das telhas e a transparência do orvalho, logo o verde das árvores, a seguir o castanho das terras. O azul ainda há de vir. Demora mais tempo porque o céu é imenso. Com excepção dos pássaros que têm olhos grandes para perceber toda a fundura da noite, esta é a hora de todos os pássaros de chilreio miúdo. A manhã é uma preguiça cheia de pássaros inquietos. Principalmente pardais, porque os pardais são os maiores operários do edifício da luz. É cedo. O mundo dos homens ainda está mudo. No princípio das manhãs há poucos alfabetos acordados. E como ainda não há palavras capazes de dizer e explicar coisas, quem fez a noite e o dia achou que ao menos tinha de haver pássaros para cantar.
O céu já se encharcou de azul. Nos quintais, os cães pressentem os donos e sorriem com os rabos. As pessoas saem do útero das portas. Acendem-se os ruídos do mundo.
Bebo uma chávena de café. É a única coisa negra nesta manhã clara.
Também pode ler:
Esquecimento, Vítor Encarnação Língua mãe, Vítor Encarnação Azeitonas, Vítor Encarnação
Hora Zero, Vítor Encarnação Autoestima, Vítor Encarnação O Livro do Tempo, Vítor Encarnação
Contentamento, Vítor Encarnação Labirinto, Vítor Encarnação Entrevista de Vítor Encarnação
3 comentários em “Levantar cedo, de Vítor Encarnação”