“O Livro do tempo” de Vítor Encarnação, lembra-nos a história da vida que cada um de nós vai construindo com o passar dos dias e dos anos até à chegada do outono. Vítor Encarnação, tão bem usa as palavras, para nos falar do outono, do sol de azinho dentro de casa nos dias de inverno e na esperança que se renova com o renascer numa qualquer primavera futura.
Há um conforto na ruína das árvores porque os homens e as mulheres também são de emoções caducas. Precisam de mudar, de descer à terra, de morrer na terra, de ser lavrados, rasgados pelas charruas da vida, de renascer na terra, de correr água sobre eles, de caírem bolotas e orvalho sobre eles, de correrem lebres e coelhos sobre eles.
Para depois despontarem esperançosos outra vez.
O livro do tempo
Do livro do tempo gosto das páginas sobre o outono. Gosto de molhar o meu dedo indicador na chuva e folhear os dias um a um. Gosto de os desembrulhar das madrugadas, incertos, umas vezes limpos, outras vezes maculados de nuvens.
É tão bonita a lã das nuvens.
Que me perdoe quem não gosta de chuva, mas a chuva é a lã que veste a terra nua. O outono. Essa intermitência do azul, esse descanso do sol, as reticências do calor, a rendição do restolho, a ausência das andorinhas, a suspensão do pó, a morte das melancias. São as folhas que caem, a claridade que mirra, o frio que se acende, as noites que crescem, os casacos que voltam a habitar os corpos, os pássaros que se calam mais. Mas toda esta morte dá vida. Há um conforto na ruína das árvores porque os homens e as mulheres também são de emoções caducas.
Precisam de mudar, de descer à terra, de morrer na terra, de ser lavrados, rasgados pelas charruas da vida, de renascer na terra, de correr água sobre eles, de caírem bolotas e orvalho sobre eles, de correrem lebres e coelhos sobre eles. Para depois despontarem esperançosos outra vez.
E quando, numa outra página lá mais à frente, o frio se soltar pelas portas abertas do tempo, os homens e as mulheres hão de acender as lareiras para terem um sol de azinho dentro de casa.
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