Paulo Gaspar Ferreira, numa entrevista sobre o projeto In-Libris aqui partilhada disse-nos que:
“Sempre me deixei encantar por olhar as coisas belas. A In-Libris é o modo de as fazer. Do livro antigo à fotografia, da agricultura à escrita, da música à natureza, sempre cuidei de fazer o que vou sendo. Liberdade é o prazer de me encantar com as fazências que sempre alimento com a vontade aprender.”
Porque queremos que os nossos leitores se deixem encantar pelas coisas belas, voltamos à conversa com Paulo Gaspar Ferreira, desta vez para nos falar em novos projetos, nas tertúlias em torno dos livros de fotografia e outras ideias inovadoras assentes na tradição da arte da encadernação.
Temos visto que acontecem apresentações de livros acompanhadas de exposições. Fale-nos um pouco sobre estes eventos, como escolhe os autores e livros a apresentar e os materiais para as exposições.
Na verdade não somos nós que escolhemos autores ou livros para apresentar. Normalmente há algum encontro, alguma identificação mútua entre pessoas ou obras. A “escolha” é mais uma espécie de selecção natural.
A In-Libris tem vindo a tornar-se num espaço de conforto, uma espécie de ninho habitado por pessoas que se encontram no universo do livro.
Como tem sido a adesão dos jovens ao seu desafio de “preservar os saberes antigos transmitindo-os, lançando a semente nos mais jovens”?
Os Ateliers de encadernação artesanal alcançaram uma certa maturidade que nos tem trazido diversas pessoas muito interessadas em aprender a encadernar à moda antiga. Muitas destas pessoas são jovens curiosos que acabam por se interessar por esta arte voltando mais tarde com vontade de aprender mais ou desenvolver ideias próprias. Em alguns casos, até, vêm isto como uma saída profissional uma vez que há muito pouca oferta no mercado da encadernação artesanal.
Assistimos a um constante encerrar de espaços livreiros, antiquários e alfarrabistas, na medida em que a pressão imobiliária e/ou a idade dos alfarrabistas não resiste a esta dinâmica da cidade voltada para um turismo que, no imediato, parece ignorar o porquê da existência de turistas. Como vê esta realidade e o futuro dos livros e dos alfarrabistas?
É verdade que nos temos vindo a deparar com o encerramento de algumas livrarias alfarrabistas mas também é verdade que, nos últimos dez ou quinze anos, temos assistido ao surgimento massivo de novos vendedores de livros usados e antigos, principalmente suportados na venda via internet. São lugares imateriais ou dificilmente vivenciados pelos clientes que apesar disso ocupam o mercado. Diria que a oferta de livros usados ou antigos é, hoje, muito superior à de antigamente. Claro que o aparecimento destes vendedores de livros, por prescindirem do espaço de loja física como lugar de encontro com os clientes, apresentam diversas vantagens na manutenção dos seus negócios por muitas vezes, além de não terem que suportar espaços físicos (e portanto sem renda) utilizam sistemas de venda que não sendo fiscalizados, não se obrigam a encargos fiscais de qualquer tipo (IVA, pagamentos por conta, segurança social, etc.).
Obviamente que esta é uma “guerra” desigual para quem teima em preservar uma certa “humanidade” através do aconchego dos livros e dos clientes.
Essa é uma das razões porque assistimos ao encerramento das livrarias mais tradicionais em favor de termos mais vendedores de livros mas, a maior parte das vezes sem preparação.
Veja-se a quantidade desproporcionada de alfarrabistas na Feira do Livro do Porto relativamente à presença de livrarias de livro novo. Muitos destes alfarrabistas apenas são “visíveis” nesta altura do ano, “hibernando” depois até nova aparição no ano seguinte.
Penso que este seria um dos pontos a que a Câmara Municipal do Porto devia dar atenção, perguntando-se qual o motivo de não estarem presentes na Feira algumas das mais significativas livrarias alfarrabistas da cidade e do país (Livraria Académica, Livraria Esquina, Livraria Chaminé da Mota, Livraria Manuel Ferreira, Livraria Nova Eclética, Livraria Pedro Castro Silva, Livraria Olisipo ou até a In-Libris).
Tem algum projeto futuro sobre o qual nos queira falar?
A manutenção e desenvolvimento da In-Libris Officina está, obviamente, dentro do nosso foco de atenção. O interesse que tem despertado junto do público justifica, por si, a vontade de desenvolver ideias inovadoras assentes na tradição da arte da encadernação.
De notar que esta arte se encontra em eminente estado de extinção em Portugal uma vez que são muito poucas as oficinas que actualmente laboram estando, a maior parte delas, ligadas a mestres encadernadores que têm já idade avançada, não se verificando que tenham transmitido os seus conhecimentos aos mais jovens. Por outro lado é conhecido o desinteresse das gerações mais jovens pelo livro em geral e mais particularmente o livro antigo pelo que, por inerência, a encadernação sofre de desatenção.
O certo é que se não promovermos a passagem de testemunho agora, perderemos a oportunidade de o fazer à medida que os encadernadores mais idosos vão deixando de ter capacidade para ensinar.
Quanto ao futuro, temos em mãos um acervo fotográfico notável, constituído por muitos milhares de negativos fotográficos de autor identificado mas praticamente desconhecido. Trata-se de um espólio de extrema importância não só por se constituir, quase exclusivamente, de fotografias de grande exigência artística, mas também por ser um retrato da cidade do Porto entre os anos 20 e os anos 70 do século XX.
Será a preparação e a publicação deste acervo que nos ocupará, provavelmente, os próximos 2 anos de trabalho.
Outro projecto será o encontro promovido pelo “Photobook Club no Porto”.
Trata-se de uma espécie de tertúlia que terá lugar todas as últimas 5ªs Feiras do mês em que será convidada uma pessoa, fotógrafo/a ou não, a apresentar um livro de fotografia que se encontre dentro do conceito de “PHOTOBOOK ”.
Será este um modo de se encontrarem pessoas com interesses comuns num espaço que, pelas suas próprias características une livro e fotografia, pela junção da livraria à oficina de encadernação, lugar privilegiado para a criação desses mesmos “PHOTOBOOKS”
Site: In-Libris
Página do Facebook da In-Libris Oficina
Página do Facebook de “Photobook Club no Porto”
Nota:
O entrevistado opta por responder segundo a grafia antiga