#4 – A festa, o mordomo e a motorizada vermelha

As festas nas aldeias portuguesas

No mês de agosto é tradição, na maioria das aldeias portuguesas, realizar-se a festa anual em nome de algum santo padroeiro. Esta tradição vem de longe e tem vindo a manter-se embora agora já com outra dinâmica. Nos dias de hoje, as festas nas várias localidades por todo o país, visam promover o turismo na região, contam com a presença de bandas e atores conhecidos que atraem pessoas de outras paragens. Quem não conhece ou nunca participou numa destas festas e romarias onde o profano e o religioso coexistem? Algumas são bem conhecidas como a festa dos tabuleiros em Tomar, as várias festas e Romarias que acontecem no Minho como a da Senhora d’Agonia em Viana do Castelo, as festas Sanjoaninas na ilha Terceira, a Festa da Flor que acontece na primavera na Madeira, entre muitas outras.

O Mordomo da festa

Nesta história do bailarico, voltamos à pequena aldeia onde o Carlos nasceu e cresceu entre as décadas 50 e 70. A preparação da festa da aldeia envolvia todo um ritual com início no ano anterior. Por isso, todos os anos no dia seguinte ao da festa, juntavam-se os homens mais influentes no adro da igreja, para escolher o próximo “Mordomo”. É assim que é designado o responsável pela organização da festa do ano seguinte. Habitualmente, era escolhido aquele que contribuía com mais dinheiro para pagar o grupo musical e os outros preparos necessários. Nestas alturas, os emigrantes que tinham sido bem-sucedidos e que gostavam de mostrar como tinha valido a pena o sacrifício de deixar o seu país, a sua terra, os seus familiares e conhecidos, ofereciam contributos monetários e queriam ser os “Mordomos”.

Numa época em que, nas zonas rurais do país, não havia acesso a outras formas de divertimento, a importância que se dava a estas festas era tal, que havia sérias rivalidades entre aldeias vizinhas pois cada uma queria ter a melhor festa, a que atraísse mais pessoas e que durante o ano fosse referida pelos habitantes como tendo sido um grande acontecimento.

A tradição religiosa

No dia da festa durante a manhã, cumpria-se a tradição religiosa composta por uma missa mais solene e uma procissão acompanhada pela banda filarmónica que existia na Sede de Freguesia.

A banda era dinamizada pelo padre da sede de freguesia, para animar as festas religiosas.

 

Era composta pelos habitantes locais mais dotados para a música, mas fundamentalmente eram autodidatas.

Depois de finalizada a cerimónia religiosa, o almoço entre as famílias acontecia um pouco mais tarde que o habitual. As mulheres só iam tratar dos cozinhados, um almoço melhorado, depois de terminadas todas as cerimónias religiosas.

Em algumas aldeias era habitual levar-se o almoço, carregando os tachos, as panelas e garrafões de vinho para uma zona arborizada onde se fazia um piquenique e se conviviam partilhando entre si o que cada um levava.

À noite a festa pagã

O baile, abrilhantado por algum conjunto musical, acontecia mais para o final do dia até altas horas da noite o que significava 3h da manhã. No largo da aldeia já estava montado um palco, o coreto para o grupo musical ou algum artista (habitualmente um acordeonista) que ia tocar ou cantar, uma ou outra barraquinha para venda de bebidas e de rifas que tinham como objetivo angariar fundos para a igreja.

Estas festas juntavam muita gente pois o mês de agosto era, e ainda é, o mês em que os emigrantes regressam de férias vindos especialmente de França e Alemanha. Os que emigravam para o Brasil, pela distância e custo da viagem, só muito ocasionalmente é que vinham de férias. Era também a oportunidade para os rapazes das redondezas dançarem e namoriscarem as raparigas das aldeias vizinhas.

Os rapazes juntavam-se em grupos, conforme as suas afinidades, e percorriam todas as festas das aldeias em redor. Encostados aos muros, esperavam algum olhar ou sinal que lhes parecesse uma oportunidade para convidar a rapariga a dançar.

A motorizada vermelha

O Manuel, o melhor amigo do Carlos, tinha comprado uma motorizada, uma “Zundapp” vermelha, em segunda mão, por dois contos de réis. Apesar de bastante velha era o seu orgulho. Valeu-lhe a habilidade e o gosto do Carlos por motorizadas que, ajudando-o num retoques, deixaram-na num “brinco”. Amealhavam alguns trocos ganhos em trabalhos extras para comprar gasolina e, assim, tinham transporte garantido para se deslocarem de festa em festa.

Quando os dois amigos, chegavam às festas de motorizada vermelha, muitos dos rapazes aí presentes, roíam-se de inveja, não só porque tinham ido a pé, mas porque o Carlos e o Manuel eram bem-parecidos e atraiam os olhares das raparigas.

Foi na motorizada vermelha que os dois amigos, num final de tarde do mês de agosto de 1970, chegaram à festa em honra de S. Lourenço o padroeiro da aldeia.

O namoro

O Manuel era mais velho que o Carlos e tinha já cumprido o serviço militar obrigatório. Desejoso de constituir família, lança um olhar convidativo a uma bela rapariga, a Ana Maria, que aceita dançar com ele. Toda a noite dançaram os dois. Nessa mesma noite o Manuel pede-lhe namoro, enquanto se ouvia o conjunto musical a tocar e o vocalista a cantar a conhecida cantiga popular “Todos me Querem”.

Todos Me Querem

Já passei a roupa a ferro
já passei o meu vestido
Amanhã vou-me casar

e o Manel é meu marido

Todos me querem eu quero algum
quero o meu amor
não quero mais nenhum

Todos me querem eu quero alguém
quero o meu amor
não quero mais ninguém

O Manel é meu marido
O Manel é quem me adora
O Manel é que me leva
da minha casa p’ra fora

Da minha casa p’ra fora
da minha casa p’ra dentro
O Manel é quem me leva
no dia do casamento

Compositor: Popular

 

Esta quarta história/crónica faz parte de uma série de outras histórias feitas de imaginação e memórias:

#1 – O Carteiro e o Retrato

#2 – O professor inesperado

#3 – Um bom par de Botas

 

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