À conversa com Isabel Jacinto

Isabel Jacinto e o projeto Universo Africano

A propósito do projeto Universo Africano e das exposições que acontecem em volta do tema, fomos ao espaço Isabel Batata Doce, na Rua São João da Mata, Santos, Lisboa. Recebeu-nos uma mulher que há muito queríamos conhecer, Isabel Jacinto.

Com um sorriso rasgado leva-nos a conhecer o espaço do seu restaurante onde tudo acontece e onde estão patentes as exposições. É um espaço muito familiar onde, por entre palavras e sorrisos que saem da alma, partilhámos histórias de vida.

Sentadas em volta da mesa e numa conversa emotiva, mas alegre, ficámos a conhecer a mulher corajosa, empreendedora, que não guarda mágoas, foca a sua vida na felicidade e, com um sorriso que lhe vem do coração, fala de si, da sua história, da família que a acolheu como filha e da sua família Angolana que reencontrou. Uma mulher ímpar cujo exemplo de vida não podíamos deixar de partilhar com os nossos leitores.

A exposição de Cláudia Ferro no Espaço Batata Doce
Quem é Isabel Jacinto, carinhosamente conhecida por Isabel Batata Doce?

“Eu, eu sou uma pessoa muito Feliz”

Isabel diz com convicção que, quem a educou a conduziu na boa educação, na felicidade, nos valores da vida … mas ao ir a Angola e ao conhecer a família percebeu que esses valores são intrínsecos.

Isabel Jacinto, tem para trás uma história de guerra. Nasceu em Angola e com pouco mais de 2 anos foi encontrada no mato por um grupo de soldados portugueses e trazida para Portugal. Aqui cresceu sem saber da sua família biológica. Inspirada nas suas raízes africanas, e nas vivências em Portugal, Isabel e o seu marido João, abriram o Restaurante Batata Doce, um espaço muito familiar onde se convive, se partilham histórias e se pode comer uma deliciosa refeição.  O nome de Batata Doce, como carinhosamente era apelidada pelos soldados e pela família que a acolheu em Portugal, resultou do facto de em menina, durante o período que passa no quartel em Angola, gostar muito de comer batatas doces que na região eram abundantes.

O sorriso

Isabel fala com um sorriso grande, um sorriso que a caracteriza e que é reconhecido pelo pai e pelos soldados que a encontraram e levaram para o quartel. Durante o transporte para o quartel, a bebé andou de colo em colo e de olhos bem abertos sem mostrar medo algum, observava os soldados.  Os soldados eram jovens, para muitos era a primeira vez que saíam da sua terra e Angola era um mundo desconhecido onde tinham de lutar e viver num ambiente hostil. Por isso aquela bebé levou esperança, foi como que um milagre que os fez sentir humanos.

Isabel Jacinto considera que a guerra não é boa para ninguém, mas no seu caso acabou por lhe proporcionou uma vida diferente.

“… na guerra, para aqueles jovens homens, eu fui um milagre.”

A alegria e leveza da vida

“Faço tudo assim, mas mesmo com a cabeça no ar consegui chegar onde cheguei”.

Em casa do comandante Junqueira que a educou, desde pequena que se lembra de estar sempre alegre, a rir e sempre a brincar, deixando-o muito preocupado quanto ao seu futuro pois tinha prometido ao tio que lhe daria um bom futuro.

A família, os filhos que são o seu tesouro

Isabel fala com emoção da gratidão que sente pela família que a acolheu e educou, mas fala com um especial brilho nos olhos dos seus dois filhos, Joana e Francisco.

O colo da mãe

Foi a sua filha que a incentivou a procurar a família em Angola. Isabel, não tinha sentido essa falta porque foi tão amada pela família que a acolheu que só mais tarde quando, em algumas circunstâncias da vida, sentiu a falta de um “colo da mãe” é que despertou para a necessidade de saber da sua família verdadeira.

A família estava identificada pois o seu tio um “turra” havia sido preso. Foi a esse seu tio que o comandante prometeu educar e dar um futuro à menina recolhida pelos militares.

Uma mãe nunca deixa o seu filho para trás!

Isabel tinha dúvidas sobre como tinha acontecido ficar para trás, quando uma mulher surpreendida pelos soldados, a deixa cair das costas e foge no mato em Angola. Mais tarde, veio a saber que não foi a mãe, mas sim uma tia, que a deixou cair das costas quando, perante os soldados, apavorada fugiu no mato.

O encontro! – 50 anos para se encontrarem.

Isabel fala da alegria da descoberta da sua família que não conhecia, da excitação, das lágrimas que lhe corriam pela face. Foi uma festa!

“Eu adoro festas”

A família nunca deixou de a procurar. Um dia Isabel recebe um telefonema de um jovem Angolano imbuído da missão de a encontrar. Isabel ainda duvidou da história do rapaz que se dizia seu sobrinho, pois já tinha tido uma falsa notícia.

Eu tenho uma família … eu tenho uma família de sangue! A minha filha diz com muita graça:

Até que enfim que temos uma família de pretos …

O abraço, o cheiro a felicidade do encontro

A sensibilidade de Isabel e um coração grande, faz com as lágrimas lhe assomem aos olhos, num misto de alegria e de muita saudade, quando nos fala do encontro com a família e do choque que sentiu ao chegar a Angola e constata as disparidades sociais existentes. Um simples lenço de papel que ela pega para levar aos olhos que teimam em verter uma lágrima, serve para ilustrar a falta de coisas tão básicas a que muitos não têm acesso.

Isabel, fala-nos do encontro com a tia, do sofrimento que ela viveu da sua necessidade de a abraçar, de a cheirar, de a apalpar e carregar nas costas para sentir o seu peso, para se certificar-se que ela existe, que está bem e que está viva. A culpa não é de ninguém, diz Isabel. A sua tia carregou o peso na consciência de a ter deixado para trás, mas Isabel diz:

“eu não tenho nada a perdoar, não há nada a perdoar, tenho a agradecer a oportunidade de uma vida diferente e feliz”.

As dúvidas de Isabel Jacinto

Será que nasci no dia 13 de maio? Será que me chamo Isabel?

As dúvidas de Isabel, ficaram sanadas no encontro com a família. A família com que sempre, mesmo de forma pouco consciente, havia sonhado.

No encontro com a família, o sorriso, a boa disposição com que foi recebida e as bochechas que via nos rostos, eram mais que suficientes para que não restassem dúvidas. Isabel soube quem ela era e quem era a sua família.

Com risadas alegres Isabel conta-nos um episódio do encontro com o tio. Este, já com 88 anos, quando a vê, pergunta-lhe: 

És mesmo tu filha? – Depois de confirmar que era mesmo a sua sobrinha diz-lhe: “O Comandante cumpriu o prometido, de tratar-te como filha, mas prometeu-me um relógio que nunca chegou!”

 

Leia esta entrevista e ouça Aqui, na voz de Isabel Jacinto, a sua história. Fixe para si a mensagem aqui expressa de coragem, de determinação, de alegria e de amor.

Obrigada por esta entrevista Isabel Jacinto e obrigada por ser quem é.

 

Aprecie algumas imagens das obras de Cláudia Ferro expostas no espaço Bata Doce.

 

 

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