À conversa com João Paulo Barrinha, artista visual

No mundo das artes visuais conhecemos João Paulo Barrinha, fotógrafo, videógrafo, formador e ator/animador.  Conhecemos este artista num evento local histórico, onde com a sua “Fabulosa Máquina de Fazer parar o Tempo” recriou, com mestria, a fotografia à moda antiga e ainda nos explicou o funcionamento da sua câmara fotográfica e o processo de obtenção da fotografia.

Fascinadas pela sua arte de “fazer parar o tempo” num retrato à moda antiga, numa conversa informal, damos a conhecer um pouco deste artista, da sua arte e dos seus múltiplos projetos..

Fale-nos um pouco de si, do seu percurso de vida que o levou a dedicar-se às artes visuais.

O meu percurso pela vida sempre foi um pouco errante, devido às vicissitudes familiares. Nasci em Cantanhede, na maternidade, saí de lá com 3 dias de idade e nunca mais lá voltei. Espero que um dia isso aconteça, mas não irei de propósito…

A partir daí, e junto com a família, vivi na ilha da Madeira e em Angola, até ao ano de 1975, quando tivemos que voltar para Portugal, devido aos acontecimentos históricos conhecidos.

Vi muitas coisas, portanto. E também houveram muitas memórias que se perderam, ou ficaram pelo caminho. Amigos de infância que se mantiveram até hoje, só tenho os meus irmãos, e uns primos, com os quais convivi em Angola. E a esses, mesmo assim, raramente os vejo, já que moramos em zonas distantes uns dos outros.

Por outro lado, o meu pai era técnico de Raios X, e por inerência desse trabalho, tinha conhecimentos técnicos de laboratório de revelação de fotografia a preto e branco. Era também fotógrafo amador (de fins de semana e família), sendo ainda que, em jovem, tinha já construído um ampliador fotográfico (aparelho de laboratório fotográfico), com peças que tinha conseguido adaptar de outros aparelhos. E a minha mãe era pintora e professora primária, e mais tarde, tornou-se professora de artes visuais.

Portanto, tudo isso deve ter pesado nesta minha escolha, pese embora eu não tenha uma consciência muito concreta sobre o que mais terá influenciado este meu atual gosto pelas artes visuais.

…………João Paulo Barrinha – Auto-Retrato – O fotógrafo retocando a sua imagem.
Como e quando aconteceu o seu primeiro contacto com a fotografia?

A minha primeira fotografia foi feita a um grupo de amigos dos meus pais (eles incluídos) e por indicação do meu pai, que me ensinou somente onde era o botão que devia pressionar, e por onde deveria espreitar. Teria eu, no máximo, nove anos de idade, mas curiosamente, ainda me lembro dessa fotografia, em slide, que ainda guardo no meu arquivo de família. E a mesma acabou também por ser muito apreciada por todos, uma vez que, inadvertidamente, apanhei umas expressões e gestos engraçados, da parte de um casal dentro desse grupo fotografado.
Depois dessa fotografia, não me lembro se fiz mais alguma.

Mais tarde, comecei a dedicar-me regularmente à fotografia, enquanto amador, quando vi à venda numa loja, uma máquina fotográfica, ainda de rolo (35mm) e a um preço acessível.  Comprei-a a meias com o meu irmão (que ainda a tem), e a partir daí, foi só começar a experimentar tudo e mais alguma coisa. Isto foi já há alguns anos, eu teria na época 18 anos, e agora tenho 53. Como tal, é fazer as contas…

 

Como surge o projeto “Walking Camera Project”? Pode explicarmos um pouco em que consiste?

Depois de regressado a Portugal, e ainda em criança, lembro-me de ter visto várias vezes, um fotógrafo à la minute na praia de Santa Cruz (perto de Torres Vedras). Nunca me fiz retratar por ele, nem tampouco me aproximei do referido senhor, eu era um rapaz muito tímido (mais ainda do que sou), limitava-me a observar de longe.

E não sei se terá sido por isso, mas o certo é que, uns anos depois de me dedicar à fotografia,  começou a tomar forma em mim, a ideia de, um dia, vir a fazer um projeto onde faria fotografias à la minute numa praia. Mas essa ideia manteve-se apenas em embrião, durante  mais de 20 anos, sem que fizesse qualquer esforço  para a concretizar.

Já tinha tido alguma formação avançada em fotografia, no Ar.Co e no CENJOR, e já tinha exercido fotografia profissional, enquanto repórter fotográfico, tudo isso ainda no tempo do analógico (rolo de filme 35 mm), quando, depois de um longo intervalo de 10 anos da fotografia profissional (mas nunca enquanto amador), resolvi voltar à formação em fotografia, desta vez ingressando tardiamente (já com mais de 40 anos de idade) no único curso superior público de Fotografia, que é ministrado no IPT.

E terá sido ai que, perante o estudo mais aprofundado de história da fotografia e de diversos processos fotográficos primordiais, que nasceu a ideia para este projecto.

E assim, esta “viagem”, começou oficialmente em 2013, com um primeiro nome provisório de “Projecto Imaginário”. E daí para cá, tem-se desenvolvido por várias vertentes, desde as actividades com fotografia à la minute, a acções didáticas com diversos processos fotográficos (do mais artesanal ao digital), e também através de algumas colaborações esporádicas com outros artistas.

Pretendo desenvolver nele, acções performativas e didáticas, numa lógica de arte relacional (onde me interesso mais pela relação que se estabelece no acto que pelo resultado final),  e tendo como base, a história da fotografia. Mas não numa lógica de simples imitação do antigo, e sim, usando-o como inspiração, ou como referência, numa filosofia de ponte, transversal a essa mesma história ou às nossas memórias.

 

No evento: “Barreiro: mês da Fotografia, 2018”. Produção em parceria com o Teatro Municipal ARTEVIVA.

 

A fotografia é uma paixão ou prefere a conjugação da atividade fotográfica com a encenação?

Atualmente, trabalho muito sobre essa conjugação entre a atividade fotográfica e a encenação, mas a minha paixão primordial (e o motor de todo este projeto), é a paixão pela fotografia e sua história.

A encenação que pratico, embora faça parte indissociável deste meu projeto, não é a raiz principal dele, pese embora, este meu trabalho de animação, seja quase sempre remunerado à parte das fotografias. No entanto, não me considero verdadeiramente actor/animador (tal como sou identificado no início desta entrevista), mas sim, um fotógrafo a fingir que sou actor.

 

Considera que a fotografia à moda antiga, misturando o antigo e o novo ao mesmo tempo, pode ser considerada uma arte em crescimento?

Eu penso que essa referência ao passado e às memórias, não é um exclusivo da fotografia, nem tampouco da arte. Nestes tempos onde tudo nos passa a correr, e onde não nos falta informação (por vezes é demais), por outro lado, as pessoas também sentem falta de referências. E como tal, todas as atividades ou produtos que nos fazem “viajar” nessas referências (ou que nos despertam certas memórias), terão cada vez mais o potencial de se manter, ou até de crescer.

Concretamente à fotografia à moda antiga, e também no caso do meu projecto em específico:

observo que, por razões diferentes, tanto as pessoas mais velhas como as crianças, têm muita curiosidade por este processo. As pessoas mais velhas, será por uma questão de memória. A recordação de tudo o que era antigo, reporta-nos também à nossa juventude ou à infância. E isso, simbolicamente, é uma viagem no tempo que todos gostam de fazer.

Já para as crianças, não se coloca a questão da memória, mas sim, a da novidade, do espanto e da magia. As crianças têm uma curiosidade natural por quererem saber como funciona, ver por dentro. E estes processos permitem isso mesmo. E são verdadeiramente mágicos!

Como tal, esta atividade situa-se, não somente numa imitação do passado, mas sim, numa ponte entre o passado e o futuro.

 

 

Quais são os fotógrafos atuais ou antigos que mais admira?

Tenho vários (e muitos) fotógrafos que admiro, e em várias áreas. A começar, como é lógico, pelos “pais” da fotografia, dos quais destaco os nomes de Nièpce e Daguerre (logo no início), de Stieglitz (mais tarde, mas muito importante na consolidação da fotografia enquanto arte autónoma).

Enquanto autores, admiro os surrealistas, com destaque para Man Ray e László Moholy-Nagy, e claro, também o nosso maior fotógrafo surrealista português, Fernando Lemos.
Noutras áreas, admiro muito também o grande fotógrafo Henri Cartier-Bresson, Robert Frank, William Klein, sendo que todos estes últimos nomes, foram mesmo de grande inspiração e influência no desenvolvimento do meu estilo fotográfico…

E mais recentemente, também admiro muito a imensa obra fotográfica do Brasileiro Sebastião Salgado, isso entre tantos e tantos outros, de todas as nacionalidades, que encheria estas páginas só com nomes.

 

O que considera mais importante para se ser um bom fotografo?

Para ser um bom fotógrafo: essencialmente é necessário ter um bom poder de observação do mundo que nos rodeia, e muito gosto por esse registo.

Além de muita teimosia (no bom sentido da palavra).

Não há uma só profissão de fotógrafo, eu comparo esta profissão um pouco como ser desportista ou médico… Há desportistas e médicos de todas as especialidades, e com as características mais díspares. No caso dos desportistas, essas diferenças são ainda maiores, logo, a analogia é mais evidente: o mundo é complexo, com muitas áreas de interesse.

E por outro lado, se a fotografia pode ser uma arte, também pode não ser. Em si mesma, considero que não é uma arte, mas sim, uma forma de comunicar, ou uma linguagem, que pode ser usada em arte. Ou não. Tal como a linguagem escrita ou falada, que tanto pode ser usada para escrever um poema, como uma lista de supermercado. E ao longe, a mancha gráfica de ambos os registos pode ser semelhante.   Assim também acontece com a fotografia, tudo depende de como a aplicamos.

E desse modo, o fotógrafo tanto pode ser um cientista, como um policia, como publicitário, jornalista, ou um artista. Ou tudo isso junto, tudo depende da área em que goste mais de estar. E essencialmente depende do que ele quer dizer (ou mostrar) ao mundo. Sendo que, um bom fotógrafo, além de bom observador, convém que tenha também algo para dizer. E o resto aprende-se, tal como se aprendem todas as outras profissões.

…………………San Lúcar de Guadiana (Espanha) Vista para Alcoutim
Desenvolve outros projetos na área das artes visuais. Fale-nos um pouco sobre a motivação e sobre os projetos. Qual é para si o mais querido?

Todos os projetos que desenvolvo na área das artes visuais, estão de algum modo relacionados com fotografia. Sendo que, em todos eles, em que, por vezes haja uma componente de instalação, ou de vídeo, ou também de encenação performativa, essas vertentes só se desenvolvem como apoio à obra principal, que é a fotografia.

E claro que, de entre todos os projetos que desenvolvo, o mais querido (e também que me exige mais energias) é este da “Fabulosa Máquina de Fazer Parar o Tempo”, com o qual desenvolvo diversas atividades, quase sempre relacionadas com o retrato, em várias vertentes, e muitas delas com características de arte relacional.

Enquadrado neste mesmo projeto, também desenvolvo registos de carácter mais pessoal, por vezes histórias intimistas e recriadas, e essencialmente baseadas no tema “memória”. Dessa vertente, já produzi um livro, com uma pequena história escrita por mim, e ilustrada com fotografias feitas com esta câmara fotográfica, a objetos pessoais e alguns espaços.

 

Desenvolve sozinho os projetos ou trabalha com uma equipa de profissionais/artistas das artes visuais?

Quase sempre sozinho, embora não descure (nem desdenhe), colaborações. E já tenho tido essas colaborações (e também tenho sido colaborador em projetos de outros artistas), quer na área mais puramente didática, quer nas abordagens mais de autor, onde por vezes, me enquadro em grupos de trabalho.

 

Nas sua variada oferta de serviços também se inclui a formação. Qual o perfil de quem procura a formação nestas artes?

Essencialmente, as pessoas que mais se interessam por estas áreas, são pessoas curiosas e criativas. Que gostam de observar, e apreciam tudo o que diz respeito ao visual.

Procuro ter programas adaptados a todos os públicos, desde crianças a adultos curiosos por explorar algumas vertentes não convencionais da fotografia. E tenho também programas didáticos para públicos mais específicos, tais como professores de ensino secundário, constituídos por acções de aperfeiçoamento dirigidas essencialmente a professores de artes visuais, para que eles possam transmitir, de modo mais efetivo e sólido, algumas técnicas de fotografia aos seus alunos.

E se, em todos esses casos, não procuro formar profissionais da fotografia diretamente com as minhas formações, procuro no entanto, fornecer um bom conjunto de ferramentas para que continuem as suas procuras nessa área, ou para que vejam o mundo de modo diferente.

Porque um fotógrafo vê o mundo de modo diferente… e normalmente ao contrário. Essencialmente, não o vê como algo de feito,

mas sim, como uma espécie de matéria prima para fazer o seu mundo.

 

………………………………Evento: Mercado antigo – Festa de Santo António 2018
Participa ou já participou em exposições? Onde podemos apreciar as suas obras?

Não sou muito frequente em exposições, e por várias razões, entre elas, a sempre presente questão monetária. No entanto, participo com alguma regularidade em exposições coletivas. A última delas acabará brevemente de estar patente em Tondela, e irá iniciar uma errância por dois anos, em locais que ainda nem eu sei quais serão.

E também já realizei três exposições individuais, uma delas, baseada neste projecto de que temos estado a falar. Tenho ainda programada para Setembro, uma outra exposição individual, de pouca duração em Coimbra, que será mais um misto de vídeo-instalação e happening performativo.

Na internet, o meu trabalho poderá ser visto essencialmente na página deste meu projecto, “Walking Camera Project”, e de modo mais resumido, esta brochura contém uma pequena selecção de imagens feitas em diversas atividades e situações, com a câmara à la minute. Sendo que, também tenho apontamentos de outras abordagens anteriores, publicadas num blog (presentemente inativo), denominado ABLLAU.

 

Há algum projeto futuro que queira implementar?

Essencialmente pretendo continuar a desenvolver este projeto, nas suas várias vertentes, explorando o mais que eu puder, todas as variantes e possibilidades que ele me oferece.
Por exemplo, no caso das atividades da “Fabulosa Máquina de Fazer Parar o Tempo”, pretendo alargar cada vez mais a sua acção, não me limitando a participações em feiras e festas populares temáticas (embora pretenda continuar sempre com essas atividades),  mas procuro dirigir-me mais para festivais de artes visuais, residências artísticas, ou outros projetos auto-propostos, e destinados a públicos específicos, isso além das abordagens mais pessoais.

Nesse sentido, além do livro que já realizei, pretendo continuar nessa exploração do photobook, assim como na parceria com diversas entidades, nomeadamente companhias de teatro (ou outras entidades), ou ainda, pessoas individuais, que se interessem pela junção da fotografia às artes cénicas. Também já comecei a explorar projetos com registos de longa duração, tais como um projeto de retrato a mascarados tradicionais, que intitulei simplesmente de “Maskharah”. Esse, tal como outros que já iniciei, mas que ainda não sei como os finalizarei.
Na área do vídeo, além de pretender continuar os registos de algumas das minhas atividades, também pretendo desenvolver a componente de videoarte, e até, de realização de curtas metragens, sempre relacionadas com a fotografia e o tema memória.

Esta viagem ainda está no início, e o seu destino é incerto, limito-me por enquanto, ao prazer de viajar…

 

…………………………..Locais – Memórias – Histórias – Lisboa #àlaminute
Que conselhos quer deixar a quem pretende iniciar-se nas artes visuais?

Muito fácil… Aconselho simplesmente a começar! E a continuar! Sempre! Sem desistir! Porque o mundo não é um lugar fácil para se estar, principalmente, se não formos ricos, e insistirmos em levar a vida a fazermos o que gostamos, e sem muitas perspectivas de grande lucro financeiro.

Muita teimosia é necessária nesses casos. E também, uma boa dose de um certo tipo de loucura saudável, daquela que faz mudar o mundo.

 

 

Aqui João Paulo Barrinha fala-nos da construção câmara fotográfica e do processo de obtenção das fotografias.

 

Foto de capa da entrevista: Arlindo Pinto

 

Site: https://walking-camera-project.weebly.com/

Facebook: https://www.facebook.com/joao.barrinha.5

 

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