José Henrique Prado, um homem ligado à área da cultura, das artes e do teatro. A arte está-lhe na Alma, vem de uma longa história de família, conforme nos diz:
Nos finais do séc. XIX um trisavô era pintor de carruagens e mais tarde converteu-se em pintor de cerâmica. A fachada do prédio onde habito foi pintada por ele.
A vida é uma experiência fabulosa que nos permite aprender durante o caminho que percorremos. Assim o constata, José Henrique Prado, um artista na escultura cerâmica, exigente consigo próprio quando aprecia os seus trabalhos e que, sem supremacias, reconhece que o seu “processo de criação ainda tem muito caminho para andar”.
Fale-nos um pouco de si e do seu percurso pelo mundo das artes.
Se me reportar à minha “pré-história”, diria que comecei a gostar de arte num tempo em que as escolas tinham atividades extracurriculares, onde, com 11/12 anos tive o primeiro contacto com barro e pincéis. Muito mais tarde, colaborei no Teatro Nacional de S. Carlos, na cenografia e contrarregra. Um ambiente muito rico e diversificado que me deu uma visão da vida até então completamente desconhecida para mim. Aqui conheci muitos e vários artistas no canto lírico, cenografia e cultura (em geral).
Só muito mais tarde recomecei a atividade artística na cerâmica. Considero-me autodidata na medida em que não estudei arte em ambiente académico, mas devo tudo o que sou na arte às pessoas que me acolheram nos seus ateliers e aos formadores nos workshops que frequentei. Fiz amigos e, se não aprendi mais, a culpa é só minha.
José Henrique Prado, a versatilidade é uma das suas grandes características. Como adquiriu essa polivalência?
Considero a versatilidade inata em mim. No que diz respeito à arte, dedico-me em exclusivo à cerâmica, mas sempre fiz várias coisas em simultâneo. Diria que sou multi-task e multi-think. Julgo mesmo que todos nós possuímos esta capacidade em maior ou menor grau.
Dos projetos que realizou qual o que mais o fascinou e porquê?
Tenho uma grande dificuldade em destacar um especial. Os meus projetos estão sempre abertos a novas contribuições. Há alguns que deram mais prazer a conceber, outros mais desafiantes em termos técnicos. O último é sempre o que está mais vivo na lembrança. Mas a mente é “retorcida”…
Respondendo à questão, o que mais me seduz é conceber peças que possam ser multifuncionais, PolýMorphus como chamei ao projeto. São peças que pela sua característica pode assumir outro aspeto ou função. É o caso das “Colinas”, representam Lisboa, cidade de 7 colinas. Podem ser vistas na sua qualidade de esculturas ou taças perfeitamente funcionais.
Outro projeto, sempre em evolução cuja linha orientadora é o que poderia chamar de intervenção social. Um dos exemplos é “Goodfelas – Tudo Bons Rapazes” que chama a atenção para os recursos naturais.
Tem neste momento algum projeto em mente?
Neste momento estou a trabalhar com um amigo, Gilberto Gaspar, ele na pintura e eu na escultura cerâmica.
O projeto é subordinado ao tema “Retrato”. O local onde poderá ser exposto ainda está em aberto. Aceitam-se propostas de locais para expor, fica aqui o desafio. Este projeto tem por mote um extrato da Tabacaria de Fernando Pessoa.
Quando os trabalhos vierem à luz do dia, a versatilidade de que falei anteriormente estará patente.
José Henrique Prado, considera que as suas peças são eternas?
Na perspetiva física, a cerâmica dura séculos, os vestígios pré-históricos são bem patentes e ajudam-nos a compreender a nossa evolução enquanto humanidade.
Quantos artistas “malditos” na sua época, são hoje considerados inovadores e percursores de evolução?
O modo como observamos o mundo mudou ao longo dos tempos. Numa perspetiva humana, entendo que a eternidade existe enquanto somos lembrados.
Do ponto de vista artístico nunca coloquei a questão da eternidade, mas olhando para história da arte (não que pretenda fazer história, de todo!), os gostos mudam e a noção de intemporalidade também.
Como e onde se inspira? Qual o passeio que faz ou até onde viaja dentro de si quando está no processo criativo?
Sou influenciado por muitos fatores e com intensidade variável. Na maior parte das vezes uma notícia, uma paisagem ou uma imagem chegam para criar um primeiro esboço mental.
Vivemos num universo onde somos bombardeados constantemente com imagens. Tenho um crivo automático que só retém algumas dessas impressões para criação.
Seja por estar focado mentalmente numa peça, seja porque ache a ideia com boa capacidade para vir a tomar forma, às vezes tenho necessidade de registar a ideia num papel. Tenho um caderno cuja utilização é muito irregular, qualquer folha serve.
Os seus trabalhos temáticos refletem o modo como se relaciona com o mundo. É um convite no sentido de alertar e consciencializar para os problemas da sociedade?
Vivemos inseridos numa sociedade cada vez mais global e universal, em que a troca de ideias (nesta fase com restrições físicas) é uma constante e em que as fronteiras se esbateram. As ferramentas disponíveis permitem-nos falar qualquer idioma. A língua deixou de ser um fator de separação das pessoas. No entanto, ainda subsistem muitas barreiras mentais e políticas.
A arte será talvez onde essas barreiras se esbatem mais facilmente e tem obrigação de ajudar a ultrapassá-las.
Gostaria de sentir que com o meu trabalho artístico também contribuo para uma humanidade mais solidária, menos injusta, mais recetiva à evolução.
Tem alguma peça preferida? E perfeita?
Preferida, acho que não. Não quero com isto dizer que goste de igual modo do resultado final de todas. Fazem-me recordar um momento, o motivo porque a elaborei ou uma fase concreta da minha vida.
Sou algo exigente comigo quando analiso uma escultura criada por mim. A peça perfeita será sempre a próxima… Provavelmente não é, ainda bem. Significa que o processo de criação ainda tem muito caminho para andar.
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Quando olha para o que acaba de criar como se sente? Qual a emoção que vivencia?
Primeiro é como olhar para um filho, é sempre perfeito. Depois começamos a perceber as particularidades, os detalhes onde não fomos tão exigentes ou onde nos faltou espírito crítico para aperfeiçoar a peça.
É frequente guardar no baú do esquecimento algumas peças que não me satisfazem (nunca são apresentadas) ou forçar a ida ao forno mais vezes para melhorar a peça. De qualquer forma, sou incapaz de fazer duas peças iguais.
Qual a área onde gosta mais de atuar ou qual o trabalho que mais o completa como criador?
O pensar a peça, o sair do esboço mental e pensar o trajeto para chegar ao resultado final. Este processo de conceção é sem dúvida a parte mais criativa. A modelação já está ligada a aspetos mais técnicos, muito embora eu considere que o barro é uma matéria viva e, por isso, tem vontade própria. É frequente o projeto ser alterado durante esta fase.
O barro, para se transformar em algo manipulável sem corrermos o risco de desfazer a peça nas mãos, tem exigências muito específicas. Lembremo-nos de que o barro é terra e como tal muito frágil.
Precisa de muito calor para que o processo químico o transforme em cerâmica. Normalmente as minhas queimas variam entre os 950 e os 1100 graus centígrados.
O resultado final só o conheço na abertura do forno. Só nessa altura sei se os deuses do fogo estão ao meu lado.
É um momento de ansiedade e excitação.
José Henrique Prado – Taça
Qual foi o seu primeiro trabalho, ainda se lembra?
Sem contar com os tempos na escola, dos quais só tenho uma boa recordação. Julgo que o primeiro foi um pequeno pote que conservo. Da fase inicial de aprendizagem mais sistematizada, vem sempre à memória uma orelha em tamanho natural. Lembro-me porque no atelier se divertiram à minha conta porque, ao contrário do que seria natural, não usei um espelho, mas apalpei a minha orelha com alguma frequência para perceber melhor as suas curvas e formas. Claro que fui para casa com a orelha suja.
Pode falar-nos um pouco mais sobre um tema à sua escolha? Sobre o seu significado ou simbolismo implícito que representa para si?
O mexer no barro dá-me a possibilidade de puxar pela imaginação e desenvolver outras aptidões que estão afastadas do meu dia a dia.
O processo criativo permite-me correr riscos, descobrir coisas, ser alquimista. Sentir um prazer telúrico no ato de criação.
Toda a vida convivi intensamente com livros e com arte em geral. Certamente que fui influenciado por esta vivência. Para não aborrecer vou cingir-me à cerâmica e contar uma curiosidade relacionada com a família.
Nos finais do séc. XIX um trisavô era pintor de carruagens e mais tarde converteu-se em pintor de cerâmica. Ainda existem algumas peças pintadas por ele em casa de família. A fachada do prédio onde habito foi pintada por ele.
Esta herança ainda hoje se manifesta. Tenho na família vários artistas espalhados entre a pintura (a minha filha e um primo), a fotografia (um primo) e a cerâmica (eu e uma prima). Com atividade artística regular só estou eu e o meu primo Pedro Fernandes.
Participou em várias exposições coletivas e individuais com as suas peças de cerâmica. Quer falar um pouco sobre esses eventos?
Para mim, a criação é um ato essencialmente solitário, é um processo mental. A exposição, coletiva ou individual, é o contraponto. É onde o individuo passa a coletivo. Onde a apresentação torna os objetos do domínio público.
As exposições são o lugar de eleição para troca de ideias tão importante para o meu crescimento enquanto artista. Lugar privilegiado para se ouvirem opiniões e críticas. São um espaço inigualável para o diálogo, espaço de ideias com outros artistas, criadores e apreciadores de arte.
Como e onde se podem adquirir as suas peças?
O atelier na R. da Arrábida, 77C, em Lisboa, é onde se podem ver a maior parte das peças. Sugiro a marcação prévia pelo +351 965 467 427. É muito central, fica perto do metro do Rato e das Amoreiras. O estacionamento na zona é muito difícil.
Tenho peças expostas na RRodyner Gallery, em Cascais, na Casa da Guia. Um espaço diversificado com um ambiente excelente. O Renato Rodyner é um excelente interlocutor.
Do artista José Henrique Prado, podem ver alguns dos seus trabalhos nos seguintes sites:
https://www.facebook.com/jhp.ceramica
https://www.instagram.com/jhp.ceramica/
https://convergenciasarte.wordpress.com/portfolio/jose-prado/
3 comentários em “À conversa com José Henrique Prado, artista plástico.”