À conversa com Sónia Queimado descobrimos uma artista plástica decidida e irreverente, que mostra nas suas obras a influência da sua origem Africana. Uma mulher que pinta com paixão procurando transmitir na tela, a sua relação com o mundo, a essência dos humanos, em particular das mulheres, e de outros seres vivos.
“O Continente Africano é a mãe e ainda que não viva mais em Angola, ela vive em mim através do que pinto…”
“Exponho os olhares, pessoas e animais que me emocionam e desassossegam, onde exploro esta urgência em criar. O mistério.”
Aprecie esta entrevista a Sónia Queimado e algumas imagens das suas obras. Sinta a força que, desde muito jovem e inspirada pela mãe, impele esta artista a expressar a sua criatividade.
Fale-nos um pouco de si, do seu percurso e de como surgiu o gosto e a vontade de se dedicar às artes plásticas?
Comecei muito cedo, primeiro pela admiração, deslumbramento perante os quadros em tábua queimada com imagens de grandes mestres que a minha mãe “pintava”, colando pedaços de papel, revistas, jornais, fazendo com que eu sonhasse com aqueles mestres e suas pinturas sem saber de quem eram, pois na minha ingenuidade tudo era da minha mãe. Enquanto ela costurava roupas de bebés, eu fazia moldes em papel, sempre gostei muito de usar papel em tudo.
Passei parte da primária com os meus pais em África, já depois do 25 de Abril de 1974, o meu pai dava-me as aulas e vinha cá fazer os últimos 3 meses do ano letivo. Depois fiquei em Portugal de vez e fiz o percurso “normal”, no entanto nunca me adaptei na totalidade à maneira de estar de cá e depressa enveredei pelo trabalho, estudando à noite, fiz estágios num jornal diário, depois numa editora, onde fui desenhadora gráfica. Casei com 22 anos e voltei a África por mais uns anos.
Voltei de novo a Portugal, ao desenho gráfico e a outro jornal Diário. Na verdade só mais tarde me levei a sério como artista plástica mas nunca parei de fazer desenhos, até que resolvi mostrá-los em exposições coletivas, individuais e participando em algumas Bienais.
De que forma a sua vivencia em Africa influencia as suas obras?
O Continente Africano é a mãe e ainda que não viva mais em Angola, ela vive em mim através do que pinto, está expresso e impresso nas telas e desenhos que crio, não há como esconder, nem quero.
Nas suas obras vemos muitas figuras e rostos humanos. O que a fascina nos humanos e que lhe desperta a inspiração?
“Os olhos expressam tudo, procuro a emoção, o indizível, não explico o que pinto.”
Procuro a face, a mensagem e o calor. Exponho os olhares, pessoas e animais que me emocionam e desassossegam, onde exploro esta urgência em criar. O mistério.
Tem uma necessidade de criar todos os dias? Isso é uma maneira inteligente de transformar e de se aproximar dos seus objetivos?
Na realidade não sei se é inteligência, loucura ou doença? A criação eleva-me e incentiva-me a prosseguir. Penso que não há desculpa para não o fazer.
Como é o seu processo criativo? Primeiro pensa a obra e depois escolhe a técnica, materiais, etc., que mais se adequa à sua visão do que pretende representar?
Começo por juntar os últimos esboços, desenhos que vou fazendo, as palavras escritas, o que mais me chama e a partir daí retomo, é um processo sem grandes paragens, sou decidida, não há grandes equívocos. Tenho muitas ideias, projetos, telas, desenhos, tudo num vórtice à espera de nascer e/ou encontrar um lugar.
Que técnicas e correntes de arte com as quais mais se identifica?
Os materiais que mais uso são a tinta acrílica, o papel e o stick de óleo, para trabalhos em tela, aguarela e tinta permanente para trabalhos em formato pequeno. Gosto de misturar e ir à procura de casamentos entre materiais, a técnica resume-se a ir ao encontro da minha marca, forte.
Entre as correntes de arte que mais me inspiram está o Fauvismo (Henri Matisse), o Expressionismo e Neo-Expressionismo (Helen Frankenthaler, Lee Krasner, Agnes Martin, Picasso, Francesco Clemente, Emil Nolde), Expressionismo Abstrato (Diebenkorn) Realismo Mágico (Frida Kahlo, Félix Vallotton) Arte Contemporânea, Modernismo (Paula Rego, Georgia O’Keefe, Jean-Michel Basquiat, Anselm Kiefer) e a Arte Bruta (Jean Dubuffet).
Tem algum artista que particularmente admira?
Admiro as obras de muitos, o divino encontra-se na obra.
Todos os que mencionei anteriormente, esses ocupam um lugar de relevo em mim.
A arte tem influenciado o que faz na vida diária ou alterado os seus valores estéticos?
Tudo se mescla, a arte está presente na minha vida a todo o momento e sim, os meus valores estéticos foram moldados pela influência que a Arte sempre teve no meu dia-a-dia.
Que outros interesses ou ocupações tem, para além da pintura e escultura?
Trabalho noutro ramo a tempo inteiro, ainda não é possível viver da minha arte ainda que seja o que mais anseio.
Considera que a arte plástica também pode ter um papel interventivo, ajudando na criação de uma sociedade mais esclarecida e aberta?
Sim, sem dúvida, ninguém mata ou rouba enquanto cria. Os artistas não competem, a arte não é mensurável, embora se fale muito do seu valor em dólares e dos leilões de das obras de artistas mortos.
“A riqueza da sociedade é a sua cultura e deveria servir como espelho de uma civilização avançada.”
Já realizou várias exposições individuais e coletivas. Qual foi a mais importante ou a que constituiu um marco impulsionador na sua carreira como artista?
A próxima exposição é sempre o elemento decisor para continuar.
Com que galerias ou outros artistas trabalha? Há alguma exposição para breve, em que vá participar?
Trabalho com plataformas online, galerias virtuais e pelas quais vou vendendo os quadros. Tenho alguns amigos artistas, com os quais troco opiniões e peço conselhos, tenho admiração profunda pelos artistas portugueses que conseguem viver da sua arte, pela sua persistência e resistência, temos uma panóplia fabulosa de artistas portugueses que não são apoiados, nem objeto de qualquer visibilidade. Não obstante o Covid-19, tenho apalavradas duas exposições, espero conseguir realizá-las neste ano de 2022.
Na sua opinião, em Portugal existem suficientes espaços, museus e outros locais, para divulgação pública de arte nas suas várias manifestações? E os incentivos aos artistas são os adequados?
Nunca são demais os espaços para divulgar e mostrar arte nas suas mais diversas manifestações, a arte deve ser plural, não seguir cânones, ser a descoberta do mundo à frente. É preciso sobretudo mais público interessado, interventivo e conhecedor e para isso é determinante sermos mais vistos. Neste momento é tudo pré determinado, os curadores, as galerias, as feiras, a massificação, a tendência, os intermediários, são todos mais importantes do que a própria arte e os seus artistas. Não deveria ser assim sob pena de a cada dia deixarmos de ter massa crítica, deveria ser obrigatório desde criança irmos a eventos culturais, dar importância à Arte.
Num mundo cada vez mais tecnológico, como vês a influencia da tecnologia na criação de arte e na sua divulgação ao público?
É uma janela para a maioria do artistas, neste momento o nosso público pode estar em Nova Iorque, Macau ou em Sydney e conseguimos essa visibilidade através da internet. Para a maioria dos artistas é uma mais-valia, nós vivemos de imagens e temos à disposição tudo o que queremos à distância de um clique. Claro que nenhuma tecnologia substitui o olhar presencial.
No seu ponto de vista, para além do talento inato, o que considera ser fundamental para que um artista e a sua obra sejam reconhecidos?
A persistência, o querer, o trabalho, mostrar, ser visto. Nada fala mais alto do que ter um corpo de trabalho visível e uma personalidade vincada.
Que mensagem quer deixar a todos os que se querem iniciar ou projetar no mundo da arte?
Que não há fórmula, que o amor que se tem à arte é maior do que qualquer revés. Fazer o caminho ainda que digam que se deve desistir ou mudar a cor para vender melhor um quadro.
Inspire-se nesta conversa com Sónia Queimado, na sua obra e experiência de vida. A artista que diz:
“… o divino encontra-se na obra.”
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