Um Projeto ímpar da Junta de Freguesia de Campolide
“Pago em Lixo” – um projeto que consideramos sedutor como exemplo de contributo para uma sociedade mais equilibrada e sustentável abrangendo as vertentes: social, cívica e económica. Partilhamos a informação que gentilmente a Junta Freguesia de Campolide nos remeteu sobre o projeto que lidera.
Conforme nos transmitiu Joana Lopes da área de Apoio aos Pelouros do Tesoureiro da Junta de Freguesia de Campolide, o projeto surge pela grande preocupação com o meio ambiente, com o incentivo do progresso da Freguesia neste campo, o aumento dos índices cívicos no que diz respeito aos comportamentos dos cidadãos relacionados com a higiene urbana e no combate à crise do comércio local na minha Comunidade.
“uma ideia sexy e apelativa, que cativasse as pessoas e ficasse no seu espírito, sendo suficientemente atraente para as levar a mudar o seu comportamento relativamente à separação de resíduos”
A população Local
O projecto “Pago em Lixo!”. Está a ser implementado em Campolide, uma Freguesia do centro de Lisboa, com cerca de 20.000 habitantes e 3km2 de área. Sociologicamente somos uma Freguesia muito diversificada, com classe alta, média e baixa e com uma variação de média de idades, consoante a zona da Freguesia, igualmente alta. Ainda assim diria que o habitante tipo de Campolide, pertence à classe média e tem 65 anos de idade.
Ações de gestão da Freguesia
As Freguesias de Lisboa têm a responsabilidade de gerir a Higiene Urbana dos seus territórios. Somos nós que varremos as ruas, limpamos sarjetas e arranjamos jardins, por exemplo. Neste campo a única coisa que não fazemos é recolher o lixo doméstico que é depositado nos caixotes do lixo, sendo essa uma responsabilidade da Câmara Municipal de Lisboa e das empresas que processam os resíduos na nossa Cidade.
Feito este enquadramento quero dizer-vos que temos uma grande preocupação com o meio ambiente e com o incentivo do progresso da nossa Freguesia neste campo. Por isso achámos que era nossa missão criar um projecto que sensibilizasse as pessoas para a importância da separação de resíduos domésticos, não deixando de dar um toque, simultaneamente, nas questões que se prendem com outros problemas que sentimos em Campolide, como a não recolha dos dejectos caninos, ou o facto de ainda se atirar muito lixo para o chão.
O projeto “Pago em Lixo” como resposta a problemas locais
Este projecto tem outra grande preocupação, para além do aumento dos índices cívicos no que diz respeito aos comportamentos dos cidadãos relacionados com a higiene urbana, é o do combate à crise do comércio local na minha Comunidade.
Em Campolide vivemos uma grande crise do comercio local, comércio de proximidade e lojas de rua, por força da enorme expansão que as grandes superfícies comerciais conheceram nas últimas duas décadas. As pessoas deixaram de comprar na sua Freguesia, para passarem a ir aos Centros Comerciais, que conseguem ter uma maior gama de oferta e, muitas vezes, a preços mais baixos.
Resumindo, duas grandes preocupações às quais queríamos dar resposta:
- Aumentar os índices de separação de resíduos em Campolide
- Combater a crise do comercio local incentivando a que se compre dentro de Campolide
Quisemos, então, criar um projecto que fosse uma resposta a estes problemas. Teria de ser uma ideia sexy e apelativa, que cativasse as pessoas e ficasse no seu espírito, sendo suficientemente atraente para as levar a mudar o seu comportamento relativamente à separação de resíduos. Estamos convencidos que o conseguimos.
A moeda local
O método de acção escolhido foi o de premiar financeiramente os cidadãos que separassem os seus resíduos e os entregassem nos locais certos, onde a Junta de Freguesia de Campolide está a recolhe-los. Para isso criou-se uma moeda local, o Lixo, com conversão directa unitária na moeda de circulação corrente em Portugal, o Euro, que é entregue como compensação por esse comportamento de elevado civismo. Achamos que nada seria mais eficaz e apelativo que a atribuição de um benefício financeiro directo.
A particularidade é que esta moeda, emitida pela Junta de Freguesia de Campolide, apenas pode ser gasta no comercio local aderente. Pretendendo, assim, dinamizar a economia local, gerando mais emprego e maior circulação de dinheiro dentro da comunidade, fixando e atraindo consumidores para o comércio de proximidade.
Para tal Campolide criou um Banco Central de Freguesia, que emite moeda e que tem, no seu seio, um fundo de valor exactamente igual ao da moeda emitida. Em tempos de crise como a que vivemos em Portugal, a após dialogo com os comerciantes, percebemos que este era um ponto fundamental para que se sentissem tranquilos e aderissem sem reservas.
Como funciona este projecto?
- Antes demais as pessoas têm de começar a separar o lixo em suas casas, distinguindo entre o lixo orgânico, que continuam a depositar nos caixotes, as embalagens, o papel, o vidro e as pilhas.
- Estes últimos têm de ser trazidos aos pontos de recolha da Junta de Freguesia de Campolide, que estão anunciados em pagoemlixo.pt e todas as nossas redes sociais.
- Uma vez trazido até nós o lixo é pesado e trocado por Lixos, a nossa moeda local, aplicando uma tabela que converte determinado peso de resíduos separados em determinado valor de Lixos, nunca podendo passar o valor de €20 por operação.
- Feito isto os Vizinhos trocam no comércio tradicional aderente, que desta forma capta novos clientes e tem a possibilidade de os fixar ao longo do tempo.
Desta forma promovemos a interacção entre a Junta de Freguesia de Campolide e parceiros locais, neste caso os estabelecimentos comerciais, que tiveram de aderir ao projecto, por um lado, e entre os moradores de Campolide e os estabelecimentos comerciais, onde aqueles passaram a ir gastar os Lixos que receberam.
Como resolver questões legais?
Um dos aspectos mais difíceis de trabalhar foi o da questão legal. Em Portugal, neste período, muito fruto da crise, vivemos uma época de grande rigor e dureza nos diplomas legais que regulam o sector público, bem como de zelo por parte das entidades que o fiscalizam. Isto é bom, eu saúdo, mas teve o problema de termos de pensar e fundamentar bem a parte legal do projecto.
A solução que adoptamos, e que nos parece segura à luz da legislação portuguesa, foi a de criar um regulamento próprio que define as regras do projecto, disponível a todos e que enquadra e resolve os problemas que surgem. Paralelamente criamos um Banco Central em Campolide, fictício, mas no qual temos em euros o exacto valor que emitimos em Lixos. Por fim criamos um contrato que regula toda a relação entre a Junta de Freguesia de Campolide e os comerciantes locais, para que a relação seja certa e previsível, sem surpresas, algo que foi fundamental para captarmos a participação destes importantes parceiros locais.
Os destinatários
No que diz respeito aos destinatários do projecto estamos em crer que este tem uma abrangência transversal a todas as idades, embora o foco tenha sido o do público mais jovem. Fizemos diversas acções de promoção local, tanto nas escolas, formulando testes aos quais as crianças respondiam e recebiam o prémio pela boa nota em em Lixos, como na Universidade Sénior. Também optámos por acções de rua, igualmente importantes, mas a principal divulgação foi feita pela Comunicação Social, que adorou o projecto e o divulgou imenso, fruto de várias reportagens e entrevistas.
A pegada ecológica e financeira
Nestas acções de promoção tentamos fazer a pedagogia de valorização do lixo. Em Campolide gastamos cerca de um milhão de euros por ano em Higiene Urbana, e somos apenas uma das 3.092 Freguesias em que se encontra dividido Portugal. Tendo em conta a crise que vivemos, será que não vale a pena que todos mudem o seu comportamento, para que este dinheiro que é gasto desta forma tão desnecessária, passe a ser gasto de outras formas bem mais úteis?
Também focamos a questão da pegada ecológica e financeira que está por trás de cada garrafa de vidro ou de cada folha de papel, explicando que desde a matéria prima, ao seu processamento, ao transporte, ao trabalho envolvido nisso, tudo tem reflexos para o Planeta e para as finanças do País, sendo importante, por isso, que os métodos de reciclagem e aproveitamento de resíduos sejam aperfeiçoados.
Dados importantes. Da prática do projecto percepcionamos alguns dados relevantes:
- O primeiro foi que a taxa de conversão de Lixos em euros, é muito baixa, ao contrário do que pensávamos. Conversando com as pessoas percebemos que os comerciantes estavam a gastar os Lixos uns nos outros, comprando bem para comércio ou para si próprio, originando que pouca conversão esteja a ser feita.
- O segundo foi que, com o tempo, este projecto, que tinha um cariz eminentemente ambiental, passou a ter uma forte componente social, uma vez que as famílias mais desfavorecidas acabavam por recorrer a este instrumento como uma forma de obterem um rendimento extra para poderem enfrentar as suas despesas do dia a dia.
- O terceiro foi que as pessoas se focavam muito na entrega de vidro, por ser o mais fácil de recolher e, igualmente, o mais pesado. Na segunda fase do projecto, para combater esta tendência, criamos uma espécie de Bolsa de Valores, que reduziu a cotação de conversão dos resíduos mais entregues, subindo, em contrapartida, a cotação dos resíduos que recebíamos menos, em especial as pilhas e as embalagens.”
Para terminar, aqui fica o nosso desafio:
Para quem lê este artigo, independentemente do papel e responsabilidades de gestão que desempenha na sociedade, fica o nosso desafio para que se inspire nas suas ações/decisões diárias.
A imagem publicada na capa deste artigo faz parte do folheto explicativo que pode ler em: Pago em Lixo – Comerciantes