À conversa com Carlos Ribeiro, artista plástico

Carlos Ribeiro, artista plástico, ceramista

À conversa com Carlos Ribeiro, conhecemos um artista plástico que, desde cedo, descobriu o gosto pelo trabalho manual. Utilizando materiais como pedaços de madeira, barro e outros, divertia-se a fazer esculturas. Foi a necessidade de se expressar e o apelo irresistível de trabalhar o barro, associado a um imenso prazer em o fazer, que o ligaram de forma indelével às artes plásticas. Desde 2018 que se dedica à cerâmica vendo nela uma oportunidade de fazer escultura, a área em que mais gosta de trabalhar. Para além do Artista apreciamos o Homem que se interessa e se envolve no papel relevante dos humanos em prol da preservação e do respeito pela Natureza.

 

 Fazer era um imperativo cuja origem ainda hoje não consigo descortinar.

 A exploração formal a partir das características matéricas do barro tem sido o elemento fundamental do trabalho que entretanto produzi.

Interessa-me a sua materialidade e as possibilidades que dela derivam mas também a forma como o barro reage à ação das mãos e da mente.

Peças de Carlos Ribeiro, artista plástico

Fale-nos um pouco de si, do seu percurso e de como surgiu o gosto e a vontade de se dedicar às artes plásticas?

A ligação ao lado “manual” do fazer das artes plásticas está comigo desde muito pequeno. Desenhava como forma de me divertir e gostava particularmente de fazer pequenas esculturas em madeira, barro, que recolhia perto que uma antiga quinta no Laranjeiro, onde brincava com os amigos, ou outros materiais.

Sempre me mantive ligado às artes plásticas como espectador e estudioso. Desenhava ocasionalmente por prazer e sentia-me “empurrado” para aquele universo. Fazer era um imperativo cuja origem ainda hoje não consigo descortinar.

Por volta dos 38 anos de idade resolvi dar início a um trabalho artístico com o objetivo de construir um corpo de obra. Este período durou 7 anos. Escrevi e montei entretanto um catálogo, de forma artesanal, que incluía imagens e texto, do trabalho entretanto produzido. Foi esse catálogo que, depois de chegar às mão de um promotor cultural de Almada me deu a primeira oportunidade de uma exposição individual no Solar dos Zagalos.

 

Porque gosta particularmente de expressar a sua criatividade através de obras de cerâmica?

A cerâmica, apesar das experiências da infância e adolescência, chega apenas em 2018. Esse contacto surgiu como um epifania, que era afinal uma redescoberta, e que que tomos conta de mim inesperadamente. Desde então que trabalho, quase exclusivamente, em cerâmica.

A cerâmica é uma oportunidade de fazer escultura que é de facto a área em que mais gosto de trabalhar.

O barro tem uma vitalidade própria e um apelo irresistível.

A tradição do trabalho em barro é rica e antiquíssima, com uma história extraordinária.

A cerâmica contemporânea, penetrou no território das artes plásticas e tem produzido artistas extraordinários.

 

O que sente quando trabalha o barro? Para si trabalhar com as mãos o barro faz despertar o sentimento de conexão da vida/da terra com a arte?

O barro é um material primordial. Descobertas as suas possibilidades muito cedo, está associado aos homens desde o dealbar civilizacional.

No território do utilitário ou no das artes plásticas, possui qualidades plásticas notáveis. Para mim foi, desde o primeiro contacto, a possibilidade de produzir formas que me eram impossíveis de produzir com outros materiais.

A exploração formal a partir das características matéricas do barro tem sido o elemento fundamental do trabalho que entretanto produzi. Interessa-me a sua materialidade e as possibilidades que dela derivam mas também a forma como o barro reage à ação das mãos e da mente.

Obra do artista plástico Carlos Ribeiro
“… a possibilidade de produzir formas que me eram impossíveis de produzir com outros materiais.”

 

Como é o seu processo criativo? Primeiro observa algo que lhe desperta a atenção, pensa a obra e depois cria-a moldando-a à sua visão?

Trabalho essencialmente de duas formas. Uma intuitiva e visceral em que “ataco” o material sem qualquer plano ou conceito, sem desenho prévio ou ideia. Neste caso sigo o material e, no processo criativo, as formas surgem e impõem-se, fruto do acaso, num aparente jogo de descoberta da escultura escondida dentro do loco de barro. Este é um método a que recorro para um certo tipo de trabalho. Por vezes as formas que entretanto surgem têm continuidade e outras peças aparecem como consequência das descobertas entretanto produzidas.

O outro método é racional e ponderado. Faço estudos prévios, desenhando e construindo maquetes em papel e cerâmica, procurando testar o comportamento no espaço da formas entretanto encontradas. O tipo de trabalho que tem surgido sob este método está essencialmente relacionado com a geometria e arquitetura. No entanto, na forma como as texturas cobrem a superfície ou nos jogos formais das esculturas produzidas e na sua relação com o mundo, subjaz sempre um lado poético que procuro acolher e intensificar.

 

Ao criar as suas obras pensa no conceito de comunidade, de criar para os outros?

Reconheço que o meu tem sido, do ponto de vista do trabalho produzido, um percurso individualista e, em certa medida introspetivo. No entanto, do ponto de vista da relação com a comunidade, seja com os artistas ou com aqueles que procuram na arte uma forma de se relacionarem com o mundo, sempre trabalhei com particular preocupação a proximidade às pessoas. O trabalho não tem, formalmente, um lado social, mas a forma como se aproxima das pessoas seja através de exposições ou através das conversas que com as pessoas vou estabelecendo, tem, na minha cabeça, sempre esse lado presente.

A obra de arte, creio eu, é sempre para os outros na medida em que é para o mundo.

Não existe obra de arte sem espectador.

Marcel Duchamp afirmava que a obra só estava terminada quando se confrontava com o espectador.

As obras que nos foi possível apreciar durante a visita à exposição “6 nomes, pintura e escultura” na Galeria ÓRIQ, são envolventes e mostram uma criatividade espantosa. Quando cria uma obra preocupa-se por transmitir a sua perceção da harmonia e do belo?

As vanguardas artísticas do séc. XX abandonaram o “Belo”. O meu trabalho anterior à cerâmica é devedor, do ponto de vista da filiação e influência dessas extraordinárias experiências produzidas bem cedo no milénio anterior. No entanto, até nalguns textos que desde o início fui produzindo, desde muito cedo que me apercebi que a beleza era relevante para mim.

Procurava, através precisamente da harmonia, na composição por exemplo, criar condições estéticas a que eu próprio chamei de beleza. É no entanto também importante afirmar que aquilo a que chamo de “belo” não coincide com o concito mais padronizado de beleza, frequentemente influenciado por ideias de “belo” herdadas do Romantismo ou do Naturalismo.

Na cerâmica interessou-me logo desde o início, embora reconheça que o trabalho que eu próprio desenvolvo não tem ainda essa qualidade, a ideia japonesa, oriunda do Wabi Sabi, de abraçar a imperfeição. É uma ideia de “belo” marginal ao corrente pensamento ocidental.

É a beleza, tal como eu a vejo, não como obediência a uma norma, aquilo que é considerado belo, mas como encontro com uma expressão, um momento, um ambiente ou mesmo um processo.

 

As obras que cria são peças com um papel preponderantemente decorativo? Tem ou pretende vir a ter, peças de cerâmica para outras finalidades?

Não possuo preocupações decorativas. Não porque tenha qualquer preconceito mas simplesmente porque não é esse o propósito do trabalho que desenvolvo.

Arquiteturas, obra de Carlos Ribeiro
Arquiteturas
Durante a sua carreira como artista, realizou várias exposições individuais e coletivas. Qual foi a mais importante ou a que constituiu um marco impulsionador na sua carreira como artista?

Terá sido, sem dúvida, a primeira exposição individual no Solar dos Zagalos em Almada.

 

Com que ateliers, galerias ou outros artistas trabalha? Há alguma exposição para breve, em que vá participar?

Trabalho, dando aulas, na escola de arte A Base. É uma escola situada em Campo de Ourique, nas oficinas da escola Manuel da Maia. Aqui tenho também um atelier onde desenvolvo o meu trabalho individual sempre em ”confronto” com o trabalho que artistas residentes frequentadores da escola vão fazendo.

Tenho exposições coletivas planeadas para 2022.

 

Considera que a cultura e em especial a artes plásticas, tem um papel fundamental na criação de uma sociedade mais consciente, mais integrada com a natureza e mais aberta?
Arquiteturas, obra de Carlos Ribeiro
Arquiteturas

A cultura é aquilo que nos define enquanto humanos. Não existe grupo humano sem cultura. A cultura define-se por tudo aquilo que vamos fazendo na relação com o mundo e em particular na relação que vamos desenvolvendo uns com os outros.

É a cultura que liberta o cimento que nos une. Não existe Humanidade sem esse tecido unificador da experiência da condição humana.

A arte é um especto daquilo a que chamamos de cultura, um aspeto que deriva da condição humana e da experiência de estar no mundo. É a manifestação existencial das relações entre os homens e destes com o mistério da existência.

 

Que outros interesses ou ocupações para além do trabalho artístico tem?

Interesso-me pela Arte, Ciência, História, Filosofia. Interesso-me pela realidade humana e pela forma como temos vindo a melhorar na nossa relação com a Natureza.

Interesso-me pela questão dos direitos dos animais, uma particularização que aqui decidi fazer por defender que, civilizacionalmente, não só não os conhecemos como os não respeitamos enquanto criaturas do mundo.

 

Que mensagem quer deixar a todos os que se querem iniciar ou projetar no mundo da arte?

Portugal é um país pequeno, quase provinciano, no que às artes diz respeito. Quase não existe mercado que sustente os artistas e é o estado que tem assegurado ainda assim a existência de uma pequena comunidade de artistas que com dificuldade vai sobrevivendo. É muito difícil sobreviver como artista do produto do seu trabalho. Muito artistas emigram e encontram no ensino uma forma de subsistência para que possam prosseguir o seu trabalho.

Nada disto invalida a perseguição do sonho e a pulsão para criar é, por vezes, irresistível.

A atual geração de jovens será, muito provavelmente, a mais extraordinária, sobre todos os pontos de vista, que alguma vez terá existido em Portugal.

Extraordinários criadores portugueses desenvolvem trabalho cá e por todo o mundo.

Que continuem e façam a revolução.

 

Carlos Ribeiro, Fevereiro de 2022

À conversa com Carlos Ribeiro, artista plástico, procuramos promover a arte e a sua importância na sociedade.

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