À conversa com Maria Amélia Ramos – A artista plástica MAR

A natureza como fonte interminável de inspiração

Maria Amélia Ramos escolheu para se identificar como artista plástica MAR (iniciais do seu nome). De facto, vemos em muitas das suas obras de cerâmica escultórica a vida e a mitologia marinha, mas a sua inspiração nasce pela ligação a tudo o que a rodeia, não seguindo estilos ou tendências nem trabalho por séries.

Nas palavras de MAR 
PÉGASO MARINHO

Sempre me revi no mar, na sua cor, na sua sonoridade, no seu movimento, enfim na sua transbordante beleza. As coisas incompletas, os segredos por revelar, fascinam-me…as interrogações sobre o que se passará nas profundezas dos mares levam-me a imaginar seres misteriosos que por lá terão o seu habitat. Escolhi MAR como identificação muito cedo, era belo e suficientemente misterioso, desconhecia-se o nome e o sexo do autor e isso agrada muito na adolescência. Anos mais tarde, decidi regista-lo.

 

O tema marinho das esculturas é recorrente e a identificação existe de facto, porque gosto muito de tudo o que se relacione com o mar e também porque estamos sempre a ser alertados para o tema da sua sustentabilidade, ou não fosse Portugal um país marítimo. Acresce que as pessoas me identificam bastante com peças relacionadas com o mar, nomeadamente com o cavalo-marinho. Na realidade é uma criatura com características muito interessantes e tenho feito imensos, sempre diferentes e alguns a pedido.

 

…………..Onda

Para além do mar, fonte de inspiração interminável, como aliás, o é toda a natureza, inspira-me a cidade onde nasci e onde vivo, uma cidade muito viva, plena de símbolos e contrastes e uma luz inigualável.  A minha vida profissional levou-me aos quatro cantos do mundo, porém, nunca vi uma luz como a de Lisboa. Dito isto, a verdade é que gosto de muitas coisas e são muitas as coisas que me inspiram e entusiasmam… pode ser um espelho de água, um beco com sombra e luz, um som particular, um sorriso…vivemos rodeados de elementos fascinantes que podemos sempre absorver e interpretar.

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Obras que atravessam os universos do desenho, da pintura, da azulejaria, da cerâmica artística e da cerâmica escultórica 
NÁBIA- Deusa dos rios e da água

Comecei a dedicar-me seriamente à pintura durante o ensino secundário e nessa idade a necessidade de experimentação é enorme. Desde sempre foi o desenho, era e é uma necessidade que se mantém até porque é fundamental para trabalhar as três dimensões. Desenhar dá-nos graus de liberdade para sonhar acordado e quase em simultâneo realizar o sonho imaginado, ali mesmo no papel ou em qualquer suporte. Desenhar também nos permite desenhar sem destino pré-definido, apenas acompanhando /completando o que vai espontaneamente emergindo do lápis, da caneta ou do pincel, com o barro acontece o mesmo…as formas vão surgindo e começa a aventura.

A pintura surge naturalmente pela necessidade de obter cores não disponíveis, realçar volumes, criar profundidade… comecei a dedicar-me seriamente à pintura durante o ensino secundário e nessa idade a necessidade de experimentação de diversas técnicas é determinante, pelo que decidi ir aprender a pintar também sobre azulejo.

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A azulejaria  é uma paixão antiga, uma das marcas mais distintivas daquilo que é a cultura portuguesa, legado da ocupação mourisca da Península e temos um património invejável, uma riqueza enorme.

Nos últimos anos o material de eleição tem sido o barro, o grés e um conjunto de pastas cerâmicas hoje disponíveis no mercado, mas uso apenas as que requerem queima, da chacota e depois do vidrado.

Pintei sobre azulejo cerâmico durante muitos anos e sonhava com a oportunidade de passar às três dimensões – à cerâmica escultórica. Todavia, sabia tratar-se de uma arte que se não coaduna com um quotidiano agitado e viagens frequentes, características de grande parte da minha vida profissional.  A cerâmica não é para pessoas apressadas pelo que tive necessidade de esperar pelo momento certo, o que só aconteceu há meia dúzia de anos.

DIANA

 

Trabalhar uma matéria flexível como o barro é algo que fascina, pelo conjunto de oportunidades que proporciona para dar forma às ideias que fluem no meu imaginário. Acresce que a obra apenas se torna totalmente definitiva depois da queima, pelo que são possíveis alterações até determinado ponto no percurso de criação, característica que muito me atrai. Trabalho com dimensões que já requerem algum esforço físico na manipulação do barro e isso faz com que também tenha a sua faceta terapêutica. Mas o grande fascínio é a beleza de uma arte que ganha brilho e cor através da transformação pelo fogo, com efeitos sempre diversos.

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Maria Amélia Ramos entra no mundo das artes por paixão

Apesar de nunca ter frequentado qualquer escola de ensino artístico, tive aulas de desenho durante dois anos, quando andava no liceu, tendo igualmente frequentado aulas de cerâmica no atelier de um escultor, isto depois de ter tido aulas de pintura sobre azulejo durante diversos anos. Do azulejo para a cerâmica escultórica foi um pulo que considerava indispensável para passar a um outro nível, o do tridimensional. A grande maioria das peças que faço atualmente são vidradas, dada a curva de experiência que foi sendo construída no âmbito da azulejaria, ao longo dos anos. O conjunto da obra é de expressão contemporânea, algo surreal por vezes, exclusivamente manual e respeitam o processo tradicional de execução.

Harmonizo a vida profissional com a artística, com algum esforço, dependendo dos períodos profissionais mais ou menos intensos, razão pela qual a minha produção artística é menos constante do que desejaria. Porém, TODOS os dias faço alguma coisa no campo da arte, sempre fiz, é uma necessidade que tenho que satisfazer e que se revela sempre libertadora. Quando falo em esforço refiro-me naturalmente ao esforço físico, com prejuízo frequente do período diário de descanso – Trabalho de dia e “TraBarro” de noite e ao fim de semana. Exceptuando este factor, (atenuado apenas por uma adequada racionalização do tempo disponível), a conciliação ocorre de forma muito natural já que tomo muito a sério tudo o que faço em ambos os domínios e aplico às artes algumas das regras da profissão, como por exemplo a necessidade de investigação/estudo prévio e a de conhecer bem o meio e os seus actores.

O VELHO DO RESTELO

 

 

Considero até que as duas actividades são complementares: a precisão e o rigor dos modelos económicos e do mundo fascinante dos números em geral, vive em perfeita harmonia com os graus de liberdade que a arte nos oferece… a arte é sonho, na arte quase tudo é possível.

 

Trabalho em regime de home-studio. Desde logo porque me permite um melhor grau de utilização do escasso tempo de que disponho e porque tenho bastante espaço.

 

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Exposição de escultura sob o tema “@Terra & Fogo” de MAR
“@Terra & Fogo”
A exposição de escultura sob o tema “@Terra & Fogo” patente no Centro Exposições de Odivelas, até ao dia 15 de setembro 2019. 

Apresento nesta exposição dezassete obras subordinadas ao tema “@Terra & Fogo”, dois dos quatro elementos que usamos em cerâmica e que estão sempre presentes e aqui representados nas diversas peças. Estão presentes diversas divindades, aliás a minha interpretação das mesmas transposta para o barro, seres imaginados que poderiam eventualmente habitar a terra e naturalmente uma família de três cavalos marinhos, designada por “Salgada Família”. Dezasseis obras são em cerâmica, feitas pois de terra, água, ar, suor e fogo com acabamento vidrado a altas temperaturas. São resultado de diferentes processos criativos. Alguma obras foram o resultado de desenho da forma, moroso por vezes,  com posterior passagem a barro, noutros casos as formas foram surgindo no processo de manipulação  da matéria ,  sem que houvesse uma imagem ou ideia  pré definida.   Há ainda o “Neptuno” uma obra que mandei passar a bronze, porque se partiu na queima e da qual gostava bastante.

Esta exposição é especial, pois é a ultima e está mais presente na memória. Posso dizer que a individual de cerâmica de 2019 foi de facto muito marcante por diversos motivos.

Desde logo a montagem foi muito bem conseguida, com um excelente aproveitamento das características do espaço, tendo resultado bastante harmoniosa. Este facto não é alheio à dignidade do espaço que em muito valoriza as obras, nem ao apoio muito qualificado que os responsáveis (Câmara Municipal de Odivelas) pela gestão do espaço dão aos artistas, apoio que se revelou fundamental para o sucesso da exposição. Por último, mas não menos importante pela presença e apoio dos amigos no dia da inauguração e isto em época típica de férias.

 

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A peça preferida e/ou perfeita de Maria Amélia Ramos

Perfeita não, peça favorita sim… de momento o “CAVALEÃO”.

Trata-se de um dos diversos animais híbridos aos quais dei forma e cor, cavalo-marinho de um dos lados e camaleão do outro. Existe uma espécie de camaleão, o “Chamaeleo jacksonii”, que tem características físicas semelhantes ao cavalo-marinho, nomeadamente a cabeça alongada. Achei que poderiam partilhar uma mesma obra sem prejuízo de nenhuma das partes. Os cavalos-marinhos são criaturas mínimas e todas as espécies que existem se encontram em vias de extinção, pelo que gosto de os imaginar grandes e robustos, neste caso na companhia de um camaleão. De resto as duas espécies têm algumas características similares, nomeadamente: ambos conseguem mexer os olhos independentemente um do outro e mudar de cor para se camuflarem.

Não sendo uma obsessão, mas somente uma predilecção, regresso sempre ao mar, aos oceanos e às suas vulnerabilidades.

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O “Anjo” de MAR
RAZIEL-Guardião dos Segredos do Universo

Em anos mais recentes, o trabalho mais difícil que recordo ter feito foi um anjo , “RAZIEL-Guardião dos Segredos do Universo”, que nesta altura já tem outro lar. A sua concretização, concretamente o tronco, obrigou-me a alguma pesquisa dada a minha escassez de conhecimentos de anatomia.

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Maria Amélia Ramos encontra na arte uma forma de felicidade

Quem vive a arte sabe que ela nos proporciona grande felicidade quando conseguimos dar forma ao que imaginámos realizando trabalhos que nos pareciam inacessíveis ou nos diziam ser não exequíveis…mas por vezes o êxito obtém-se “a ferro e fogo”. O trabalho compensa sempre, investir em conhecimento também. É importante nunca desistir dos nossos sonhos e trabalhar regularmente para os alcançar, recorrendo a ajuda de quem sabe. Para os momentos menos bons, quando as ideias parecem ter-se ausentado e nos apetece desistir, a existência de um bom porto seguro permite-nos orientar o navio, com a ajuda de mãos amigas, através da tempestade e aporta-lo são e salvo.

Finalmente, é indispensável ter bem presente que a independência financeira maximiza a possibilidade de a criatividade fluir de forma mais tranquila. Viver exclusivamente da arte que produzimos é bem diferente de a nossa arte ser sustentada com os recursos que ela gera.

Enquanto artista plástica, Maria Amélia Ramos (MAR) pretende continuar na senda do desenvolvimento e melhoria no âmbito da cerâmica escultórica e realizar alguns projectos que aguardam oportunidade de concretização. Quanto a mostras, a cerâmica tem os seus timings próprios e só tenciono fazer outra exposição individual em 2021. Ate la participarei nos convites que forem surgindo para bienais e colectivas.

 

Centro de exposições de Odivelas

Maria Amélia Ramos facebook

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