Uma japonesa apaixonada por Portugal a Sayo, também conhecida por MIKA, fala-nos de si e da cultura japonesa em terras lusitanas. Podemos afirmar que compreende as duas nações, que se complementam mesmo sendo dois polos opostos em pensamento e localização geográfica. Para além da harmonia no discurso que tivemos o privilégio de ter, entendemos que o seu portfólio de atividades é enriquecido com muita dedicação e sabedoria.
O nome “MIKA” é o nome da sua irmã mais velha. Elas têm 8 anos de diferença. A MIKA é a primeira artista que a Sayo conheceu na sua vida.
“Quando eu era pequena, ela ensinou-me muita coisa. Ela fez-me origami, acessórios, roupas de bonecas e tantos outros presentes. Aprendi muita coisa com ela e ainda hoje aprendo, é com muito orgulho que estou a usar o nome dela.”
Fala-nos um pouco de ti e do teu percurso de vida?
Nasci em Osaka no Japão. Desde a minha infância que tenho interesse nas culturas europeias, devido à influência das minhas irmãs mais velhas que gostavam de música do mundo ocidental (dos anos 80).
“Sempre tive o sonho de viver na Europa.”
Sayo, podemos dizer que és uma japonesa apaixonada por Portugal? Como foi o teu início em Portugal?
A primeira viagem num país estrangeiro foi a Espanha, com a minha mãe, em 1999. No início gostei muito, só que era uma viagem em grupo e nem todos eram honestos. No último dia, a carteira de um senhor do nosso grupo foi arrancada com força… Eu fiquei com muito medo.
No ano seguinte, em 2000, decidi ir mais uma vez à Europa e escolhi Portugal. Não havia muita informação. Mas, ao ler um livro de guia para viajantes, pareceu-me ser um país mais calmo. E decidi fazer essa viagem. Viajei outra vez com a minha mãe e em grupo.
“Adorei visitar Portugal!”
A paisagem é bonita e com menos cores. As casas pequenas com azulejos azuis e amarelos. As pessoas são simpáticas e simples. A comida é boa. O som da guitarra portuguesa é tão agradável… E, naquela altura não havia roubos! Agora há mais roubos, mas nessa altura havia muito menos.
“Desde essa experiência, voltei a viajar duas vezes sozinha e decidi aprender português. Saí do trabalho e comecei a minha nova aventura.”
No início aprendi a língua portuguesa numa escola de línguas em Lisboa. No Japão, tinha aprendido português a ler livros, mas acabei todos os capítulos em 1 mês. Depois, conheci uma professora de português, como queria aprender a falar mais e conseguir ter conversas fluentes, decidi sair da escola. Mudei-me para a Nazaré para aprender com a professora.
As aulas eram ótimas, aprendi muita coisa conversando. E, além disso, ela levou-me a jantares com amigos e a discotecas. Lembro-me que não tinha jeito nenhum para dançar e nem ainda hoje… Vivenciei o Natal com a família dela, assim como, outros eventos como a passagem de ano e o carnaval!
Experimentei quase tudo. Adorei! Agradeço imenso à professora Susana, à família dela, aos amigos, aos vizinhos e a todos os nazarenos. Foi mesmo uma ótima aventura.
Voltei ao Japão em 2005 e trabalhei muito para poupar dinheiro e ter recursos para voltar para Portugal.
Em 2010 regressei a Portugal. Houve um evento de comemoração dos 150 anos de amizade entre Portugal e o Japão. Acabei por vir a Portugal para ajudar no evento. Fiquei durante 2 meses e meio. Foi nessa altura que conheci o meu marido. Já tinha estado apaixonada por Portugal. O amor falou mais alto e decidi mesmo viver em Portugal.
Quais as diferenças que encontraste entre o Japão e Portugal?
“Há muitas diferenças. Comida, cultura, trabalho…O que é diferente é a maneira de pensar. Principalmente, os “dias de descanso” como as folgas e as férias.”
O pensamento dos portugueses de que mais gosto é “Descansar no dia de descanso”. Ver televisão o dia inteiro. Passar tempo com a família, entre outras atividades, o que é mais importante é descansar.
O que os japoneses fazem nos dias de descanso, sobretudo, é “Trabalhar em casa” ou “Sair com colegas/chefes do trabalho”. Claro que há muitas pessoas que ficam em casa para descansar e ficar com a família. No entanto, o número de pessoas que têm este hábito, se comparado com o de antigamente, está a diminuir. Mas, ainda existem e é característico de uma cultura japonesa. Isto é um hábito que vem desde a infância. Vou explicar o porquê:
“As escolas do Japão dão trabalhos para casa para as férias, sejam de verão ou de inverno. Quase todos os dias os alunos estudam em casa. Também nas escolas de explicações dão trabalhos para fazer em casa. Mesmo que as crianças estejam de férias, com os muitos trabalhos escolares para fazerem, não dá para descansarem. E, isto torna-se como um hábito. Mesmo quando são adultas continuam a fazer trabalhos de casa. Quer dizer, que os japoneses trabalham em dias de descanso.”
Ouvi dizer que em Portugal não há muitos trabalhos para casa nas férias. Que bom! Que inveja! Claro que existem crianças que estudam. Mas a escola não obriga. Assim, durante a escola as crianças e os jovens estudam e durante as férias conseguem descansar. Como são hábitos que existem desde a infância, facilmente conseguem mudar entre o “ON” e o “OFF”. Eu gosto muito desta maneira de pensar porque ajuda-me a descansar e a relaxar.
Sabendo que a cultura japonesa é diferente da cultura portuguesa, qual é a sensação de juntar as culturas?
Pois, estou numa mistura de culturas entre o Japão e Portugal.
No meu dia a dia estou a usar e a aplicar as coisas boas do Japão e as boas coisas de Portugal.
Quais as virtudes que encontraste em Portugal?
Em Portugal não precisa de ser tudo perfeito, não precisa de ser a 100%. Consegue-se avançar com menos preocupação.
No Japão, eu tinha uma educação que me obrigava ter tudo direitinho desde a infância – “a ser perfeita”. Assim, estou sempre focada a procurar algo que falta para que tudo fique direitinho e perfeito. Os meus olhos sempre se movem da esquerda para a direita e de cima para baixo, e isto cansa-me muito…
Agora, já sei que não precisa de estar tudo feito a100% e tudo muito perfeito, sem falha alguma. Deste modo, sinto-me mais leve.
Como é que podemos enriquecer com a cultura japonesa?
É preciso ganhar hábitos, conhecer e compreender a cultura japonesa.
Por exemplo, visitar o Japão, participar em comunidades e em grupos de pessoas que gostam do Japão e vivem a sua cultura. Também pode ajudar a conhecer a cultura japonesa, ver programas de televisão como Cool Japan, no canal NHK World, sobre cultura japonesa. Debruçar-se sobre temas e atividades relacionadas com o Japão, aprender a língua, fazer origami e criar peças decorativas, fazer sushi, entre outras ações criativas. Aconselha-se a ler sobre o Japão. Ver filmes de animação, por exemplo, dos Estúdios Ghibli ou o Doraemon.
A cultura asiática faz-nos ver o mundo de outras formas? Quais?
Talvez sim devido às diferenças do ponto de vista do pensamento. A forma de pensar, a forma de ser e a forma de estar!
À primeira vista, comigo fez-me ver o mundo de outra forma desde que comecei a viver em Portugal. Quando estive no Japão, acho que tinha um pensamento um pouco mais fechado. Porque só conhecia a vida do Japão. Os hábitos e os pensamentos de “tudo tem de ser direitinho-perfeito”, “trabalhar e esforçar-se muito é bem visto, é uma coisa bonita, faz bem”, entre outras exigências…
No meu caso, eram assim os meus hábitos. Já estou cá há mais de 10 anos e já não tenho este pensamento tão intenso. Sinto-me preparada para as situações mais exigentes de perfeição e aprendi a lidar com as situações de outra forma mais harmoniosa.
Bem, é certo que também não sabia de muitas histórias, de certos acontecimentos e situações da Europa e dos países de África. Mas, encaro com naturalidade as notícias do mundo ocidental.
Do mesmo modo, alguém que tente conhecer a Ásia, pode ver o mundo de forma diferente e pode descobrir outra realidade.
Tens um estilo de vida saudável? Quais os segredos para atingires o bem-estar?
Em japonês existe uma expressão sobre a maneira de comer “HARA HACHI BUNME”. HARA é barriga, e HACHI BUNME é 80%. Significa “encher o estômago só até 80%”.
Sou magra geneticamente. Além disso, consigo comer de forma natural e espontânea. É muito simples, vou explicar como:
Tenho a boca pequena, por isso, não consigo colocar muita comida de uma só vez, na boca. Assim, como devagar naturalmente e além disso, mastigo bem. Por causa disso, demoro muito a terminar o meu prato e o meu cérebro pensa que estou a comer bem, assim, sinto-me cheia antes de acabar de comer tudo.
Naturalmente, faço como a expressão “ HARA HACHI BUNME”.
Para além do origami, quais as outras atividades que fazes?
Costumo dar aulas de japonês e faço traduções.
Acerca das aulas de japonês, tenho cursos individuais e também para grupos, de iniciados a avançados. Por vezes, ajudo professores que não são nativos.
Tenho uma conta no Instagram para aprender japonês. Tenho publicado vídeos para dar a conhecer palavras e frases que se pode usar no dia a dia.
Costumas cozinhar comida japonesa e portuguesa? Quais os pratos que fazes?
Costumo cozinhar mais comida japonesa. Também gosto de fazer comida portuguesa à japonesa, ponho ingredientes japoneses e faço “comida portuguesa à japonesa”. Por exemplo, o “cozido à portuguesa à japonesa” tem menos gordura e com adição de um pouco de molho de soja.
O meu prato preferido é hambúrguer japonês que é feito de carne picada de porco e alho francês picado com molho de soja e vinagre de arroz.
Segues alguma dieta alinhada com o teu estilo de vida ou comes de tudo?
Não faço nada especial, como de tudo mas, como mais legumes. Por exemplo, sem alface ou tomate não consigo comer carne assada. No restaurante, quando peço carne assada, peço sempre salada em vez de batata frita.
Em casa, metade do prato são legumes. E o resto, um quarto é arroz e outro é carne, peixe ou ovo.
Tens lançado algumas atividades, quais as próximas que tens em agenda?
Neste momento estou a escrever livros para apoio a quem quer aprender japonês. Como tenho experiência de aprendizagem da língua portuguesa, consigo perceber muito bem a dificuldade na aprendizagem de uma língua. Além disso, também sou tradutora e assim, posso explicar melhor as diferenças entre japonês e português.
Definitivamente, a Sayo é uma japonesa apaixonada por Portugal. Quais os objetivos no presente e no futuro?
Quando tinha 32 anos, tomei uma grande decisão de me mudar e de viver em Portugal. Já passaram 10 anos e estou a gostar de viver cá.
Seja como for, o objetivo no presente é desenvolver mais as minhas atividades atuais para aproveitar a minha vida.
“Pretendo aproveitar a vida em Portugal.”
Sobre o futuro, adoro os vinhos portugueses e tenho aprendido muito sobre vinho. Desde já, pretendo fazer qualquer coisa com o vinho português. Quero dar a conhecer o vinho português como acontece com os vinhos de Espanha e de Itália, no Japão. Eventualmente vir a criar uma marca…
Gosto de inventar e tenho muitas ideias. Acima de tudo, quero concretizar! Pretendo escrever livros sobre o que senti e aprendi em Portugal. Quero escrever livros sobre os meus pensamentos. E muito mais…
“Bem, tenho muitas coisas que quero fazer, só que o meu corpo é só um. Assim, é difícil fazer tudo ao mesmo tempo!”
Próximos eventos:
- Workshop de Origami no dia 29 de janeiro às 16h, em colaboração com Inês Carvalho de Matos, organizadora do Projeto Cultural e Pedagógico Japão & Portugal
- Aprender Japonês
- Aprender a fazer Origami
Inspire-se nesta experiência de vida da Sayo, uma japonesa apaixonada por Portugal, que concretizou o sonho de viver na Europa e encontre motivação para levar por diante os seus sonhos.
Brevemente publicaremos outros artigos relacionados com os seus trabalhos de origami e os locais favoritos do Japão.
2 comentários em “À conversa com Mika, uma japonesa apaixonada por Portugal!”