Língua mãe, e as palavras de Vítor Encarnação – “As línguas são as asas que os homens não têm”. Recentemente publicamos um poema de Anabela Sobrinho, uma entrevista da escritora Sofia Costa Brava e muito brevemente publicaremos outra entrevista a uma outra escritora. Em torno das palavras e da nossa língua mãe, cremos oportuno partilhar uma crónica de Vítor Encarnação que fala das palavras e da “Lingua Mãe”
Nasci do ventre da minha língua. Devo a minha vida a essa mãe feita de palavras.
No princípio era o som. Eram apenas sílabas pequeninas a guiarem-me na minha mudez de nada saber dizer.
Língua mãe
Nasci do ventre da minha língua. Devo a minha vida a essa mãe feita de palavras. No princípio era o som. Eram apenas sílabas pequeninas a guiarem-me na minha mudez de nada saber dizer. Escutava, escutava e as palavras foram-se entranhando lentamente no meu corpo e por lá ficaram a ecoar dentro da cabeça. Todos os dias apareciam novas, um nome para isto, outro nome para aquilo. Era bonito ver os objetos e as pessoas e os animais a ganharem significado, a ganharem cores e tamanho e forma. E eu repetindo, imitando, aprendendo a dizer palavras em pequenos passos, tropeçando nas sílabas, principalmente no chão inclinado de algumas consoantes. E o horizonte do entendimento foi-se alargando. O cérebro queria mais, queria aprender mais. E depois percebi que havia uma lógica, um lugar próprio para as palavras. E que só assim daquela forma e não de outra elas nos levavam onde queríamos. E que se quiséssemos ir a um outro lugar, tínhamos que lhe mudar a sequência.
E depois aprendi que cada uma tinha um peso próprio.
E que faziam despontar sóis. E que nos faziam cair e nos erguiam. E que as palavras são a única bagagem que nunca podemos dispensar.
A voz, as letras, a língua, esse país, esse chão, essa boca de onde somos.
As línguas são as asas que os homens não têm.
Também pode ler:
O Livro do Tempo, Vítor Encarnação
Contentamento, Vítor Encarnação
Entrevista de Vítor Encarnação
4 comentários em “Língua mãe, de Vítor Encarnação”